
O crescimento exponencial da obesidade e das cirurgias bariátricas (CB) nas últimas décadas tem impulsionado uma demanda crescente por esse tratamento em clínicas privadas e serviços públicos de saúde. Por se tratar de uma doença crônica não transmissível e de difícil controle, a obesidade requer um tratamento de longo prazo e uma ampla e criteriosa avaliação de uma equipe multidisciplinar especializada e experiente, que tenha seus conhecimentos baseados em evidências, para maximizar resultados.
Nós nutricionistas constituímos a base do tratamento cirúrgico da obesidade e somos responsáveis pelo tratamento pré e pós-operatório executando prescrições clássicas para minimizar as deficiências nutricionais e reduzir os impactos associados à perda de peso brusca que se instala após a intervenção cirúrgica. Nosso trabalho deve seguir na fase de educação continuada, essencial para lidar com a cronicidade da doença e os desafios do tratamento e da manutenção do peso corporal. Nesta fase, encontros recorrentes com o nutricionista são necessários para que possamos desenvolver junto com os pacientes comportamentos alimentares saudáveis e propor mudanças no estilo de vida que possam contribuir para a manutenção dos resultados alcançados, que devem ir além da perda de peso.
Debruçada em estudos dessa temática me deparo em livros sobre o tema com os seguintes trechos; “é necessário que o nutricionista evolua para além do papel nutricional do aconselhamento dietético e incorpore em seus atendimentos uma abordagem global, integrada e holística e esta deve ser realizada por um nutricionista especializado e experiente… este profissional deve ter condições de analisar os aspectos nutricionais envolvidos e deve estar advertido da elevada incidência de comorbidades, transtornos psicológicos tais como ansiedade depressão” [1-3]. Neste momento pensei “isso é Nutrição Comportamental”
A CB é muitas vezes vista apenas como uma solução física para a perda de peso, focada na redução do estômago e na diminuição da ingestão alimentar. Mas eu sei que no ambiente da nutrição clínica e bariátrica essa mudança vai muito além da anatomia. Ela transforma profundamente a relação do paciente com a comida, com o próprio corpo e com o ambiente ao seu redor. É nesse ponto que os meus conhecimentos técnicos em Nutrição Comportamental foram essenciais, e me deram a possibilidade de oferecer um cuidado mais amplo e um acompanhamento nutricional mais individualizado durante todo esse processo.
Desenvolvendo habilidades e competências
Para trabalhar com Nutrição Comportamental na nutrição clínica bariátrica, eu precisei mais do que conhecimento técnico sobre nutrientes. Foi fundamental me aprofundar na ciência do comportamento alimentar humano, estudei e estudo psicologia, neurociências e comunicação empática. O percurso da minha formação mais ampla em nutrição contou com aprimoramento em transtornos alimentares (TA) no AMBULIM -IpQ – HC -USP, com a capacitação e certificação do Instituto Nutrição Comportamental onde tive o privilégio de juntamente com outras colegas me capacitar como terapeuta nutricional. Ajudando no manejo de TA, e no exercício da nutrição clínica ampliada, contar com este espaço e com este grupo de colegas que partilham o mesmo objeto de estudos fortalece a minha prática clínica diariamente e reforça o meu desejo de seguir prestando serviços de orientação nutricional personalizada e de qualidade.
Compreendendo melhor as mudanças
O comportamento alimentar vai muito além de calorias e nutrientes ele é moldado por emoções, memórias, rotina e contexto social. Muitos pacientes já tinham uma relação transtornada com a comida antes da cirurgia, marcada por episódios de compulsão, exageros e/ ou o uso da comida como refúgio emocional. Após a CB, esses padrões podem ressurgir em maior ou menor intensidade, pois a mudança anatômica não altera à relação com a comida. É papel do nutricionista acolher, compreender e sugerir estratégias nutricionais para este novo momento.

Nutricionista além da dieta: Um ponto de apoio na jornada da mudança.
Nos meus atendimentos clínicos, acompanho de perto os aspectos emocionais e comportamentais que surgem após a CB, indo além da prescrição de dietas. Como terapeuta nutricional, realizo atendimentos recorrentes, semanais ou quinzenais, fortalecendo vínculos e reduzindo riscos como compulsão ou rejeição alimentar. Minha presença constante, aliada a um espaço de escuta e acolhimento, permite a construção de estratégias personalizadas para ajudar o paciente a enfrentar os desafios do dia a dia. Esta presença frequente torna o nutricionista um ponto de apoio na jornada da mudança.
O protagonista do processo
Nos atendimentos que realizados com a abordagem Nutrição Comportamental, priorizo a escuta ativa, a empatia e o respeito ao tempo de cada paciente. Entender suas escolhas alimentares, acolher recaídas e reforçar seu papel como protagonista da própria jornada é fundamental. O nutricionista guia, reforça, encoraja e dá suporte, enquanto os pacientes fazem as próprias escolhas. Nós nutricionistas devemos ser apoio no percurso, e podemos auxiliar o paciente na identificação de suas questões alimentares e apontar para eles as possíveis ligações entre as emoções e os comportamentos alimentares, porém devemos estar advertidas que quem seleciona avalia e ajusta as orientações é o paciente. [4]
Ressignificando o ato de comer
A CB representa o início de uma transformação profunda na vida do paciente, exigindo um acompanhamento nutricional contínuo, amplo e embasado na Nutrição Comportamental. Esse suporte permite a construção de uma trajetória mais consciente e sustentável, contemplando os aspectos emocionais e comportamentais envolvidos na relação com a comida. Afinal, a intervenção cirúrgica modifica a anatomia, mas a verdadeira mudança depende da reconfiguração dos hábitos e do significado atribuído à alimentação.
Referências bibliográricas:
- White, M. A., Kalarchian, M. A., Levine, M. D., Masheb, R. M., Marcus, M. D., & Grilo, C. M. (2015). Prognostic significance of depressive symptoms on weight loss and psychosocial outcomes following gastric bypass surgery: A prospective 24-month follow-up study. Obesity Surgery, 25(10), 1909–1916. https://doi.org/10.1007/s11695-015-1631-9
- Barhouch, A. S., Padoin, A. V., Casagrande, D. S., Chatkin, R., Süssenbach, S. P., Pufal, M. A., Rossoni, C., & Mottin, C. C. (2016). Predictors of excess weight loss in obese patients after gastric bypass: A 60-month follow-up. Obesity Surgery, 26, 1178–1185. https://doi.org/10.1007/s11695-015-1911-4
- da Cruz, M. R. R., Branco-Filho, A. J., Zaparolli, M. R., Wagner, N. F., Pinto, J. S. P., Campos, A. C. L., & Taconeli, C. A. (2018). Predictors of success in bariatric surgery: The role of BMI and pre-operative comorbidities. Obesity Surgery, 28, 1335–1341. https://doi.org/10.1007/s11695-017-3011-0
- Alvarenga MS, Dias NMA. Aconselhamento Nutricional na prática clínica. In: Cuppari L. Nutrição Clínica no adulto. 15ª ED. Barueri: Manole, 2018. Pp 151-168.