
Será que você sabe mesmo o que é dieta?
Alguns nutricionistas defendem-na como uma ferramenta de trabalho importante, já que ela é um instrumento privativo do profissional, outros apontam os problemas da realização.
Toda dieta é igual?
A discussão não está restrita ao ambiente de nutricionistas e outros profissionais de saúde, mas também a população, já que temas como “dietas podem fazer você engordar” ou “dietas para emagrecimento” são recorrentes em mídias de massa. (Leia também “Como emagrecer? 5 dietas populares e o que os especialistas pensam delas”)
O desconhecimento à fundo do conceito “dieta” e mais do que isso, da pessoa que faz dieta, tem levado profissionais de saúde e o público que busca modificações da alimentação a inúmeros equívocos justamente por não estarem falando a mesma língua.
Dieta: um conceito estudado há mais de 40 anos
Em primeiro lugar, o conceito de dieta merece cuidado, pois é complexo e mais do que isso, compreender quem são as pessoas que fazem dietas e como identificá-las são perguntas que começam a aparecer há cerca de 40 anos, com Back em 1970.
Um dos cernes da questão envolve compreender qual é o perfil de pessoas que fazem dieta, trabalho que Herman e Polivy buscaram fazer em 1980.
Em 1988, Heatherton e colaboradores apontaram ainda que diferentes questionários que se propõe a “medir” a prática de dieta, podem enfatizar diferentes tipos de pessoas que fazem dieta. E assim aconteceram muitas discussões, que nos anos de 2020 e 2021 foram revisadas pelos mesmos Herman e Polivy da década de 80 e outros como Mills, J e Lowe, M que se tornaram grandes cabeças pensantes sobre o tema.
O perfil de quem tem prejuízos com a prática de dieta
As pessoas podem variar o motivo pelo qual fazem dieta. Algumas por questão de saúde (ex. hipertensos), por alergias alimentares, problemas de digestão, por questões religiosas, morais ou para impressionar os outros.
Há também os que, cronicamente estão em dieta para perder peso a serviço da estética e atratividade física, muitas vezes camufladas no discurso de saúde. Grande parte da literatura do campo estuda estes fazedores de dieta.
E quando o assunto é prejuízo causado por prática de dietas, essas são as pessoas em cheque e não o indivíduo que deixa de comer um alimento, pois teve alergia alimentar ou aquele que substituiu alguns alimentos ultra processados por opções in natura.
Esse perfil de pessoa parece estar envolvido em um conjunto de características e comportamentos:
- Não ter necessariamente sobrepeso ou obesidade: apresenta insatisfação com o corpo, mas não só isso, a intenção de modificá-lo.
- Intenção de restringir calorias (sem necessariamente ter sucesso): devido ao descontrole alimentar subsequente a tentativa de restrição.
- Oscilações de peso no famoso efeito ioiô: com ciclos de perda de peso cada vez mais lenta e recuperação cada vez mais rápida.
- Afeto negativo: um estado de ansiedade e humor depressivo em função da frustação pela falha em manter o peso.
Restrição calórica não é sinônimo de dieta
O conceito dieta envolve o elemento “pessoa”. Quem faz dieta é tão ou mais importante do que a restrição calórica em si, que se refere apenas ao papel com a descrição dos alimentos, porções e horários a se seguir.
A restrição calórica em si não é capaz de explicar o que é a prática de dieta. Hoje o cenário de dieta envolve um enorme volume de pessoas dentro deste perfil com preocupação com o corpo e intenção de modificá-lo, até para aqueles que têm um padrão corporal aceito socialmente.
Como apontam Mills e colaboradores (2018), há ainda outras características dentro desse perfil de pessoas, como padrões de autoestima, perfeccionismo e impulsividade, retroalimentados pela pressão estética que vivenciamos e pelo próprio incentivo inclusive de profissionais para o enquadramento neste cenário de dieta destacado.
O conceito de dieta não é simples e não cabe apenas na ideia de modificações dietoterápicas previstas nas atividades de um nutricionista.
Essa dieta pode gerar prejuízos?
O fato de haver essa intenção em restringir a alimentação em decorrência da insatisfação corporal, especialmente para fins estéticos, é um cenário que se mostra aumentar nossas expectativas em relação a comida, sobretudo àquele alimento que se tem a intenção de restringir.
Apesar de estar aquém do escopo deste texto, este aumento de expectativas tem sido observado como mediado pelo neurotransmissor dopamina, que apresenta aumento de níveis em situações de privação gerando um aumento antecipado da expectativa em comer.
O valor de comer aquilo que foi proibido é muito maior do que o próprio momento em que você come a comida. Este mecanismo parece ser um dos importantes para compreendermos o porquê do cenário de dieta aumentar as chances do descontrole alimentar responsável também pela oscilação de peso com essas dietas.
Os ciclos de perda e recuperação de peso tem sido investigado tanto em modelos animais como em humanos, como também relacionados ao aumento da eficiência calórica ao longo de cada ciclo do efeito ioiô: perde-se cada vez mais lentamente e ganha-se cada vez mais rápido o peso perdido.
Descrevemos no livro Ciência do Comportamento Alimentar o que é este conceito de dieta que leva a prejuízos¹,² e isso também já foi tema de outros texto do blog.
Por desatenção ou conveniência, já que certos profissionais ignoram todas essas ponderações e comercializam suas dietas e cursos nesse sentido, vai ficando claro que equivaler restrição calórica ao conceito de dieta é no mínimo simplista e desatento.
Referências citadas:
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- Kaye WH, Frank GKW, McConaha C. Altered dopamine activity after recovery from restricting-type anorexia nervosa. Neuropsychopharmacology. 1999;21(4):503–6.
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- Mills JS, Polivy J, Herman CP. Distinguishing dieting from restrained eating: A rejoinder to Lowe (2021). Appetite [Internet]. 2021;165(May):105295. Available from: https://doi.org/10.1016/j.appet.2021.105295
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- Moraes J, Alvarenga MS. Alimentação versus Nutrição. In: 1a, editor. Ciência do Comportamento Alimentar. Santana de Parnaíba: Manole; 2021. p. 45–61.
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