
Fundamentalmente, o seu peso corporal depende do equilíbrio entre a quantidade de calorias que você normalmente consome e a quantidade que gasta. Se você consome a mesma quantidade de calorias que gasta, seu peso fica estável (equilíbrio energético). Comer mais do que gasta leva ao ganho de peso (excesso de energia), enquanto comer menos do que gasta leva à perda de peso (déficit energético). Então, para quem quer emagrecer, faz sentido avisá-los para reduzir a comida e/ou aumentar a atividade física para gastar mais energia e criar um déficit. Certo?
Infelizmente, não é tão simples assim. Primariamente, mudanças de comportamento são complexas, multifatoriais e muitas vezes difíceis de implementar. Aconselhar alguém a simplesmente comer menos ou se exercitar mais para perder peso é tão útil quanto dizer a alguém para ganhar um jogo de tênis marcando mais pontos que o oponente. O conselho está correto na teoria, mas é muito mais difícil de colocar em prática!
Além disso, há uma teoria intrigante que indica que aumentando a quantidade de atividade física não afetaria o gasto energético total. Em vez disso, o corpo vai se esforçar para recuperar a energia gasta em treino, pelas conservações ou reduções feitas em outros processos fisiológicos do organismo. Se verdadeiro, significa que aumentar a quantidade de atividade física não vai criar um déficit energético, então não vai afetar o peso corporal. Essa teoria, desenvolvida pelo Professor Herman Pontzer de Duke University nos Estados Unidos é chamada o Constrained Model of Total Energy Expenditure, e sugere que a quantidade total de energia habitualmente gasta está mantida entre limites fisiológicos, e não é afetada pela quantidade de atividade física feita – em vez disso, um aumento na quantidade de calorias gasto em atividade induzirá a uma redução de gasto em outro processo, ou seja, será “compensado”.
O início da teoria de Pontzer: Atividade física versus peso corporal
A teoria inicial foi baseada nas observações feitas em um grupo de caçadores-coletores chamado a tribo de Hadza´essas pessoas vivem atualmente da maneira que a maioria da humanidade vivia ao longo de nossa evolução como espécie: caçando e procurando toda a comida que precisam.
O Prof. Pontzer e seus colegas viveram com a tribo por um período de meses, observando suas atividades diárias e medindo vários fatores relacionados à saúde e atividade, incluindo o gasto energético total. Devido às vidas muito ativas dessa população, os pesquisadores hipotetizaram que teriam um gasto energético muito maior do que as populações industrializadas, como as pessoas nos Estados Unidos que trabalham principalmente em escritórios e têm acesso a mercados, restaurantes e aplicativos de entrega para toda a comida que desejam. Mas não foi o caso! Os pesquisadores descobriram que o grupo Hadza tinha um gasto muito semelhante ao da população industrializada, apesar de terem níveis de atividade muito mais altos. Esse achado deixou os pesquisadores perplexos e levou a muito mais pesquisa e, eventualmente, ao desenvolvimento da Constrained Theory.
Os mecanismos de compensação não são totalmente conhecidos, mas podem incluir mudanças comportamentais ou metabólicas. Considerando as mudanças comportamentais, duas compensações que podem ocorrer quando alguém aumenta o nível de atividade física são:
1) aumentar o apetite e a quantidade de comida ingerida, ou
2) reduzir a quantidade de energia gasta em outras atividades, como andar um pouco mais devagar ou se agitar menos ao longo do dia.
Essas adaptações podem ser pequenas e difíceis de perceber, mas ao longo do tempo, podem se somar e compensar, ao menos parcialmente, os gastos com o treino.
Além disso, várias adaptações metabólicas podem ocorrer quando o gasto energético do treino está elevado, especialmente se a pessoa estiver em restrição calórica ao mesmo tempo. Algumas dessas podem ser benéficas, como, por exemplo, alguns processos biológicos se tornarão mais eficientes, mantendo a mesma função, mas com menos gasto. No entanto, quanto maior o déficit entre a energia ingerida e a energia gasta em treino, mais graves podem se tornar estas adaptações metabólicas. Por exemplo, e como descrito no modelo REDs (Relative Energy Deficiency in Sport), muitos processos fisiológicos, incluindo o metabolismo ósseo, a função reprodutiva e o sistema imunológico, podem ser suprimidos quando a ingestão calórica é insuficiente para manter todos os processos biológicos funcionando no nível ideal.
Um olhar além da balança…
Esse tema das compensações energéticas tem muitas implicações práticas, especialmente para as pessoas que precisam ou desejam perder peso ou emagrecer. Considerações importantes a destacar na prática clínica são as seguintes:
- Apesar de várias compensações comportamentais e metabólicas poderem ocorrer quando o nível de atividade física está elevado, eles não vão cancelar totalmente os gastos de treino. Ainda se vai gastar calorias, mas apenas pode ser menos do que o esperado devido a esses processos compensatórios.
- Focar exclusivamente no treino físico para perder peso pode ser ineficaz devido a processos compensatórios. Isso não significa que a atividade física não tenha um papel importante. Tem sim! O fato é que a maioria das pessoas que expressam o desejo de perder peso realmente quer emagrecer, ou seja, aumentar a proporção de músculo em relação à quantidade de gordura, e o treino físico tem um papel fundamental nesse processo de emagrecimento. Além disso, manter uma boa aptidão física com treino regular traz inúmeros benefícios para a saúde, incluindo efeitos positivos no sistema cardiovascular, musculoesquelético e metabólico. Por isso, estratégias de emagrecimento que combinam atividade física junto com recomendações nutricionais são desejáveis.
- Ao iniciar um novo programa de treinamento, especialmente se o foco é emagrecimento, é muito importante estar ciente das potenciais mudanças comportamentais que podem atrapalhar o progresso. Por exemplo, além de se concentrar no treino, esteja ciente de quanto tempo passa em situações sedentárias e faça esforços para garantir que não perderá os benefícios do treino devido a reduções em outras atividades ao longo do dia. Além disso, esteja atento à sua alimentação e evite aumentar sua ingestão de alimentos de forma proporcional ao gasto com o treino. Essas mudanças comportamentais podem ser sutis e fáceis de não perceber para quem não está prestando muita atenção. Portanto, fique alerta!
- Evite mudanças drásticas, tanto no treino quanto na alimentação. Primeiro – mudanças dramáticas são difíceis de manter a longo prazo. Além disso, quanto maior a diferença entre o gasto energético e a ingestão calórica, mais estratégias o corpo implementará para compensar. Concentre-se em desenvolver hábitos consistentes e fáceis de incorporar no seu dia a dia. Em relação ao treino, vá com calma e aumente gradualmente o volume e a intensidade dos exercícios que você faz, deixando tempo suficiente para recuperação, e para seu corpo responder e adaptar às demandas de treino.
Para quem tiver interesse em aprender mais sobre esses assuntos, sugiro os seguintes artigos:
- Pontzer et al. (2018) Energy constraint as a novel mechanism linking exercise and health (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30303776/).
- Dolan et al. (2023) Energy constraint and compensation. Insights from endurance athletes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37557979/).
- Shirley et al. (2022) A life history perspective on athletes with low energy availability (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35113390/).
- Mansfeldt & Magkos (2023) Compensatory responses to exercise training as barriers to weight loss: Changes in energy intake and non-exercise physical activity (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36933180/).