
Nas últimas semanas é impossível que você não tenha ouvido falar do “Morango do Amor”. E é muito provável que tenha, inclusive, experimentado um. Antes dele tivemos o “chocolate de Dubai”, o tacacá, alguns sabores inusitados de refrigerante e tantos outros exemplos de comidas que viralizaram. Essa corrida por experiências ou produtos “imperdíveis” é parte de um fenômeno psicológico e social que vai muito além de modas passageiras: o Fear of Missing Out (FOMO). Não se trata apenas de curiosidade ou interesse; é a sensação persistente de que há algo acontecendo e que todo mundo, menos você, está participando. Essa percepção, que hoje se amplifica com as redes sociais, tem raízes profundas no nosso desejo de pertencimento e pode afetar desde decisões triviais até áreas centrais da vida, como saúde, relacionamentos e alimentação.
O FOMO é definido como a apreensão constante de que outras pessoas possam estar vivenciando experiências recompensadoras das quais não se participa [1-3]. É um estado de alerta social que se distingue do arrependimento pós-decisão: a pessoa pode acreditar que fez a melhor escolha, mas ainda assim se perguntar o que está perdendo [1]. Essa característica o torna diferente de outros tipos de insatisfação, pois ele pode surgir mesmo quando não houve erro ou frustração objetiva. Basta a percepção de que existia uma alternativa socialmente atraente não escolhida.
Embora tenha sido popularizado com a expansão das redes sociais, o FOMO não depende exclusivamente do meio digital [1-2]. Antes mesmo da internet, ele podia surgir ao ouvir o som de uma festa próxima ou perceber que colegas estavam participando de algo sem você. O que mudou foi a escala: plataformas como Instagram e TikTok oferecem acesso contínuo a imagens, vídeos e relatos que evidenciam o que “está acontecendo agora”, tornando a comparação social mais frequente, intensa e difícil de evitar [2-3].
O mecanismo psicológico do FOMO está fortemente ligado à necessidade de pertencimento: uma motivação humana fundamental para formar e manter vínculos sociais [2-3]. Pessoas com maior necessidade de pertencimento tendem a monitorar mais o ambiente em busca de pistas sociais, o que as torna mais suscetíveis ao FOMO [2]. Esse padrão pode ser reforçado por outros fatores, como medo de exclusão, centralidade percebida no grupo e intensidade da comparação social [1-2].
A experiência do FOMO é modulada pelo contexto. Estudos apontam maior frequência no final do dia e em dias de maior atividade social (quintas, sextas e sábados), refletindo momentos em que há mais oportunidades percebidas para “estar em outro lugar” [1-2]. Ele tende a ser mais intenso em situações em que a alternativa não escolhida é social, em comparação a quando é solitária. E, embora a interação social reduza a intensidade do FOMO, ela raramente o elimina [1].
As consequências do FOMO vão além do desconforto momentâneo. Ele está associado a:
- Aumento do afeto negativo e do estresse [1-3].
- Fadiga e sintomas físicos, como dores de cabeça ou tensão muscular [3].
- Piora do sono, tanto em qualidade quanto em duração, em parte devido à ruminação de pensamentos e ao uso de dispositivos digitais à noite [3].
- Maior distração e menor foco na atividade presente, acompanhados de arrependimento posterior [1].
- Comportamentos de risco, como consumo excessivo de álcool ou decisões impulsivas para evitar a exclusão [2].
- Impactos na saúde mental, incluindo maior vulnerabilidade à ansiedade, depressão e baixa autoestima [2].
Alguns autores também sugerem que o FOMO pode reforçar ciclos de comportamento. Ao mesmo tempo em que impulsiona o uso das redes sociais, ele pode ser alimentado por elas: cada notificação ou publicação funciona como um lembrete de experiências alternativas, mantendo ativa a sensação de estar “perdendo algo” [2-3]. Esse ciclo é sustentado por mecanismos de recompensa no cérebro, semelhantes aos que regulam outros comportamentos compulsivos, e reforçado por padrões de reforço variáveis, como a imprevisibilidade de quando surgirá uma oportunidade “única” [3].
Com este entendimento, podemos compreender como o FOMO se aproxima dos comportamentos alimentares não apenas pela influência direta sobre escolhas de consumo, mas também por se ancorar em normas sociais – códigos implícitos que indicam o que, quanto e como “deveríamos” comer em determinados contextos. Essas normas, presentes tanto no ambiente físico quanto nas interações digitais, funcionam como guias de conduta que orientam, reforçam e, muitas vezes, pressionam as escolhas alimentares, mesmo sem que exista fome física ou interesse genuíno [4].
Quando um alimento “viraliza”, a decisão de experimentá-lo não se resume ao sabor ou à curiosidade individual. Ela é moldada por normas descritivas, quando percebemos que “todo mundo está comendo aquilo”, e por normas injuntivas, quando sentimos que “deveríamos experimentar” para não ficar de fora [4]. O FOMO amplifica essa dinâmica ao acionar a comparação social constante: observamos o que os outros fazem, internalizamos a ideia de que aquela é a conduta adequada e ajustamos nosso próprio comportamento para nos alinhar ao grupo, mesmo que isso contrarie preferências pessoais.
Esse alinhamento não ocorre apenas nas grandes tendências gastronômicas. Em contextos coletivos, como buffets, rodízios ou eventos sociais, a percepção de que há oportunidades limitadas para “aproveitar ao máximo” pode levar ao consumo exagerado ou à escolha de alimentos que normalmente não seriam prioridade. A lógica da “perda de oportunidade” é reforçada por mecanismos de modelação, nos quais adaptamos a quantidade e o tipo de alimento ingerido ao que vemos nos outros, e pelo gerenciamento de impressões, quando ajustamos o que comemos para transmitir uma imagem específica (como moderação, sofisticação ou descontração) [4].
O ambiente digital potencializa esses efeitos. Fotografias, vídeos e relatos de experiências alimentares funcionam como “pistas sociais” que estabelecem expectativas sobre o que é valorizado e desejável comer. Assim, mesmo na ausência física de outras pessoas, a mera exposição a registros de consumo pode gerar pressão para reproduzir aquele comportamento, acionando os mesmos circuitos de recompensa envolvidos na busca por aceitação social. É o que torna o FOMO tão relevante: ele não depende da presença física de um grupo para influenciar o comer; basta que a norma seja percebida como legítima e socialmente validada.
Essa interação entre FOMO e normas sociais revela mais uma faceta que escancara que o comportamento alimentar não pode ser compreendido apenas por mecanismos fisiológicos de fome e saciedade. Ele é também um fenômeno social e simbólico, sensível à comparação, ao julgamento e à necessidade de pertencimento. Em um cenário onde comer é cada vez mais um ato público, o medo de perder uma experiência alimentar pode ser interpretado como o medo de se distanciar das referências coletivas que sustentam nossa identidade e posição na sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Milyavskaya, M., Saffran, M., Hope, N., & Koestner, R. (2018). Fear of missing out: prevalence, dynamics, and consequences of experiencing FOMO. Motivation and Emotion, 42, 725 – 737. https://doi.org/10.1007/s11031-018-9683-5.
- Alabri, A. (2022). Fear of Missing Out (FOMO): The Effects of the Need to Belong, Perceived Centrality, and Fear of Social Exclusion. Human Behavior and Emerging Technologies. https://doi.org/10.1155/2022/4824256.
- Gupta, M., & Sharma, A. (2021). Fear of missing out: A brief overview of origin, theoretical underpinnings and relationship with mental health. World Journal of Clinical Cases, 9, 4881 – 4889. https://doi.org/10.12998/wjcc.v9.i19.4881.
- Moraes, C., & Higgs, S. (2021). Normas e outras influências sociais na alimentação. In M. Alvarenga, L. Dahás, & C. Moraes (Orgs.), Ciência do comportamento alimentar (pp. 188–217). Editora Manole.