Já escrevemos em texto anterior aqui no Blog sobre as bases científicas do Mindful Eating com várias referências, e isto é necessário quando se escreve de forma leviana sobre o tema.
Mas seria mesmo o mindfulness útil e eficaz para o trabalho com mudança de comportamento alimentar?
Trazemos agora mais algumas evidências sobre a importância do mindfulness para a área do comportamento alimentar, em função de publicações recentes – além de se considerar como já escrevemos que a abordagem com mindfulness foi incorporada também à terapia de aceitação e compromisso (ACT Acceptance and Commitment Therapy)15 e a terapia comportamental dialética (DBT – Dialetical Behavior Therapy)16 – consideradas terapias de “3ª geração”, e que aplicações das mesmas aos problemas alimentares (como transtornos alimentares tem sido cada vez mais estudada.
O Editorial Mindfulness and eating behavior (1) destaca que as pesquisas nesta área têm história ainda recente, começando em 1999, e que desde então um corpo consistente de pesquisa se desenvolveu ajudando a entender o tratamento para transtornos alimentares, obesidade e que um caminho de dados mais baseados em evidências tem sido tomado pelas pesquisas.
A revisão integrativa Mindfulness and Behavior Change (2) aponta que tanto começar como manter mudanças de comportamento é fundamental para prevenção e tratamento de doenças, e que o cultivo da atenção, aceitação e não julgamento da experiência atual, muitas pode resultar em mudança transformadoras do comportamento de saúde. E com foco mais específico na obesidade – um dos grandes problemas de saúde pública que enfrentamos, a revisão Mindfulness-Based Interventions for Obesity-Related Eating Behaviors: A Literature Review (3) encontrou que 86% dos 21 estudos revisados relatou melhora nos comportamentos alimentares como ingestão excessiva, comer emocional, e comer por influências externas. E assim o Mindfulness tem sido especialmente recomendado para tratamento da compulsão alimentar, com estudo mostrando inclusive (por meio de avaliação via questionários psicomátricos) que o mindfulness na alimentação (ou o que chamamos de mindful eating) é inversamente proporcial ao binge eating – ou compulsão alimentar (4).
Do mindfulness ao mindful eating
Pode-se pelos breves exemplos citados inferir que o mindfulness pode ser aplicado a questões de comportamento alimentar, e é exatamente por isto que se propôs o Mindul Eating – que como descrevemos também no texto deriva do MB-EAT ou Mindfulness-based eating awareness training. E novamente, não se trata de uma mistura de religião oriental, meditação e marketing (como opinado pelo artigo enviesado “Fábrica da nutrição neoliberal: elementos para uma discussão sobre as novas abordagens comportamentais” (5).
Ao descrever a aplicação do programa MB-EAT em um grupo de pacientes obesos, o grupo de pesquisa de Jean Kristeller – desenvolvedora do mesmo! – usa inclusive o título “Mindful eating: Conectando-se com o eu sábio, o eu espiritual” (6) para descrever o quanto os resultados com este programa auxiliam no cultivo de uma “mente sábia” e levam a um envolvimento espiritual significativo – o que, segundo os autores, acaba por desempenhar um papel na capacidade das pessoas de melhorar e manter sua auto-regulamentação.
E dados os preconceitos e vieses, vamos deixar claro: espiritualidade não é igual a religião (embora possa ter o envolvimento de alguma vivência religiosa), e pode ser definida como “propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio” (7).
E falando de forma bem específica e aplicada, o artigo Integrating mindfulness into eating behaviors, ou integrando mindfulness para comportamento alimentar (8) lembra que escolhas e comportamentos alimentares tem múltiplos determinantes (já escrevemos sobre isto também aqui no Blog) mas que mesmo assim o foco tradicional do tratamento é só a relação dieta-saúde; mas que podemos ajudar as pessoas a entenderem melhor o porquê, o quê e quanto eles comem usando o mindfulness para ajudar as pessoas a terem habilidade para conciliar a alimentação para fins de saúde e não de saúde.
E também o artigo “pode o mindfulness ajudar com comportamentos alimentares `mal adaptados´”? (9) aponta o quanto a abordagem focada em perda de peso além de ter pouco benefício a longo prazo podem ser contraproducentes. E focam a discussão de forma muito interessante no condicionamento operante (reforço positivo e negativo) e como o mindfulness pode ajudar com uma intervenção apropriada para reestruturar o processo de aprendizagem em torno da alimentação – com foco em recompensas intrínsecas (como desfrutar a alimentação) e não extrínseca (se pesar).
Vamos estudar mais comportamento alimentar e mindfulness?
Novamente, mesmo com estes poucos exemplos, temos uma perspectiva muito interessante de pesquisa e atuação juntando mindfulness e comportamento alimentar! Para facilitar seus estudos, recomendamos a revisão das professoras da UFPE que acabou de sair – em boa hora! (10) em português e com acesso aberto: https://www.rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/13465
Trata-se de uma revisão integrativa dos principais protocolos de mindful eating utilizados em pesquisas com indivíduos com excesso de peso para mudança de comportamento alimentar. Oito estudos foram selecionados – mostrando como ainda temos que pesquisar mais o tema! – que demonstraram como principais benefício: a redução/manutenção do peso corporal; melhora no comportamento alimentar e diminuição nos episódios de compulsão alimentar e aumento da atenção plena e da “alimentação consciente” (olha o mindfulness aí!)
Vamos olhar para tema então com curiosidade, ciência, respeito e aprofundamento.
Referencias:
- Mantzios, M. (2018). mindfulness and eating behavior. Frontiers in psychology, 9, 1986.
- Schuman-Olivier, Z., Trombka, M., Lovas, D. A., Brewer, J. A., Vago, D. R., Gawande, R., … & Fulwiler, C. (2020). Mindfulness and Behavior Change. Harvard review of psychiatry, 28(6), 371.
- O’Reilly, G. A., Cook, L., Spruijt‐Metz, D., & Black, D. S. (2014). Mindfulness‐based interventions for obesity‐related eating behaviours: a literature review. Obesity reviews, 15(6), 453-461.
- Giannopoulou, I., Kotopoulea-Nikolaidi, M., Daskou, S., Martyn, K., & Patel, A. (2020). Mindfulness in eating is inversely related to binge eating and mood disturbances in university students in health-related disciplines. Nutrients, 12(2), 396.
- Seixa CM, Casemiro JP, Coutinho CDO, Conde TN, Brandão AL. (2020). Fábrica da nutrição neoliberal: elementos para uma discussão sobre as novas abordagens comportamentais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30, e300411.
- Kristeller, J. L., & Jordan, K. D. (2018). Mindful eating: Connecting with the wise self, the spiritual self. Frontiers in psychology, 9, 1271.
- Guimarães, H. P., & Avezum, Á. (2007). O impacto da espiritualidade na saúde física. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 34, 88-94.
- Sorensen, M. D., Arlinghaus, K. R., Ledoux, T. A., & Johnston, C. A. (2019). Integrating mindfulness into eating behaviors. American journal of lifestyle medicine, 13(6), 537-539.
- Brewer, J. A., Ruf, A., Beccia, A. L., Essien, G. I., Finn, L. M., Lutterveld, R. V., & Mason, A. E. (2018). Can mindfulness address maladaptive eating behaviors? Why traditional diet plans fail and how new mechanistic insights may lead to novel interventions. Frontiers in Psychology, 9, 1418.
- Bezerra, M. B. G. S., de Orange, L. G., de Andrade Calaça, P. R., de Menezes, G. M. M., & de Lima, C. R. (2021). O mindful eating modifica o comportamento alimentar em indivíduos com excesso de peso?. Research, Society and Development, 10(3), e36110313465-e36110313465.