
A restrição alimentar em crianças, às vezes adotada pelos pais como estratégia para prevenir ou tratar a obesidade infantil, já há algum tempo tem se mostrado ineficaz e inclusive contraproducente segundo as evidências científicas. Diversos estudos e revisões sistemáticas apontam que práticas restritivas podem aumentar o desejo e o consumo de alimentos proibidos, favorecer comportamentos alimentares transtornados e não resultam em reduções sustentáveis do peso das crianças [1-5]. Além disso, intervenções focadas apenas na restrição calórica tendem a apresentar efeitos modestos e de curta duração, com alta taxa de reganho de peso após o término do tratamento [6-9].
Porque proibir aumenta o desejo e o consumo?
Quando certos alimentos são proibidos ou restritos, mecanismos psicológicos específicos fazem com que o desejo e o consumo desses alimentos aumentem, especialmente em crianças. A proibição torna o alimento mais saliente e desejado, levando a um ciclo de maior atenção, desejo e, frequentemente, consumo excessivo quando a restrição é quebrada. Entenda os mecanismos:
- Saliência e ambivalência
Quando um alimento é proibido, ele se torna mais “especial” ou “tentador” na mente da criança. A ambivalência (“gostoso, mas proibido”) faz com que o desejo aumente, pois o alimento é visto como uma recompensa rara ou proibida. O simples ato de tentar restringir o consumo faz com que a criança pense mais no alimento, aumentando a sua saliência e, consequentemente, o desejo [10].
- Imaginação e privação
Imaginar o consumo de um alimento proibido pode aumentar o desejo real por ele, pois a privação induzida pela proibição faz o cérebro focar ainda mais nesse item. Esse processo pode levar a episódios de consumo exagerado quando a oportunidade surge, já que o desejo foi acumulado durante o período de restrição [10-11].
- Querer vs. gostar
O sistema cerebral de “querer” (wanting) pode ser ativado independentemente do “gostar” (liking). Ou seja, a criança pode desejar muito um alimento proibido mesmo sem necessariamente sentir mais prazer ao consumi-lo, levando a um ciclo de busca e consumo exagerado [12]

O que fazer então para diminuir o consumo de doces?
Talvez a primeira pergunta a ser feita não seja como diminuir os doces, mas por que essa preocupação surge. Quando pais ou profissionais afirmam que uma criança “precisa comer menos doce”, muitas vezes o que está em jogo não é exatamente o excesso de açúcar, mas a percepção de que a alimentação da criança é desbalanceada: com poucos vegetais, baixa ingestão de alimentos frescos ou pouca variedade nas refeições. Em vez de tratar o doce como inimigo central, é mais útil enxergar a ausência de uma alimentação ampla, acessível e prazerosa como o verdadeiro problema a ser abordado.
Nesse sentido, a mudança de foco exige que se construa um ambiente alimentar mais inclusivo, no qual os doces percam a aura de objeto proibido e passem a coexistir com outros alimentos oferecidos com regularidade e exemplo. Crianças aprendem com o que veem, não com o que mandam que façam. Se frutas, verduras e legumes aparecem à mesa todos os dias (lavados, cortados, disponíveis e inseridos nas refeições da família), tornam-se parte do repertório alimentar, mesmo que a aceitação não seja imediata. Do mesmo modo, quando refeições são feitas em conjunto, com envolvimento das crianças na escolha e preparo dos pratos, aumenta-se o vínculo com a comida como um todo, e não apenas com itens específicos [13].
A exposição repetida a novos sabores, sem coerção nem chantagem (“se comer o chuchu cozido, ganha sobremesa”), ajuda a construir familiaridade e reduz a ansiedade associada ao novo. O problema não está no doce em si, mas em uma lógica que o isola como prêmio ou transgressão, enquanto outros alimentos são oferecidos com pressa, conflito ou sem presença afetiva. Dizer que a criança “só quer comer doce” frequentemente esconde um contexto onde ela nunca teve, de fato, a oportunidade de se interessar por outros alimentos. Não adianta tirar o doce da mesa se não se coloca mais nada no lugar, com tempo, acolhimento e intenção [13].
Dessa forma, ao invés de pensar em proibir doces, o esforço deveria estar em ampliar o repertório alimentar da criança, oferecendo alimentos variados em contextos positivos e cotidianos. Isso não significa ignorar o consumo de açúcar, mas reconhecê-lo como parte de uma alimentação que pode (e deve) incluir prazer, vínculo e autonomia. A redução do consumo de doces, nesse contexto, acontece mais como consequência natural da ampliação da oferta, do convívio e da construção de uma relação mais equilibrada com a comida – e não como resultado de proibição ou controle rígido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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