
A Nutrição Comportamental e seus aprendizados que mudam a forma de ver a nutrição. Até uns meses atrás eu já era fascinada pelos motivos que levam uma pessoa a escolher seus alimentos e consumi-los – mesmo sem saber exatamente quais eram. Entendia que comportamento alimentar envolvia vários fatores: regionalidade, cultura, economia, hábitos alimentares, acessibilidade, mas também a parte emocional, afetiva e prazerosa da alimentação. Ou então no máximo mais umas três ou quatro variáveis… Porém, com o tempo e estudando mais afundo sobre o tema, descobri o real significado, que também inclui como, com quem, com o que, onde, porque, o que sentimos e acreditamos e uma infinidade de outros determinantes, causas e consequências, influenciam cada uma das nossas escolhas alimentares, ou seja, nosso comportamento alimentar.
A Nutrição Comportamental e a nutrição “saudável” como um produto
Há pouco tempo saí da faculdade de nutrição, onde ainda ensinam a saúde como um produto, um bem consumível que para ser atingido ou que para comer de forma “saudável” são necessárias condutas, recomendações, metas, restrições e proibições, de forma a medicalizar o alimento. Se controlar, se enganar e ter muita força de vontade. E isso nunca foi de encontro ao que acredito.
Ao olhar ao redor e ver colegas de profissão, alguns professores e nutricionistas que encontrei pela vida, não conseguia entender essa visão tão mínima e resumida a nutrientes específicos que agora possui um nome: nutricionismo. O nutricionismo é uma visão reducionista da comida, com foco exclusivo no nutriente isolado e que os alimentos seriam a “soma” desses nutrientes.1
No foco do nutricionismo, montar uma “dieta” rápido, denominar um ou outro alimento como “saudável” e “não saudável” e balbuciar algumas palavras difíceis e técnicas sobre o funcionamento de determinado suplemento em posts de rede social é atestado de qualidade profissional. Não se pensa minimamente na individualidade de cada um, esquecendo o lado prazeroso, histórico, cultural e afetivo da alimentação. Tirando arroz e feijão do prato dos brasileiros, substituindo por dietas malucas, padronizadas, “sem carboidratos” com uma função unicamente de reforçar padrões estéticos inalcançáveis e utilizando a palavra saúde no meio de tudo isso. E eu sabia, mesmo que minimamente, que o buraco era bem mais embaixo.
A Nutrição Comportamental estando tudo conectado: corpo, mente e ambiente
A maior parte das profissões hoje em dia ainda são ensinadas em pedaços, tornando grandes especialistas em determinados assuntos, mas que se esquecem do todo, de tudo que também acontece ao redor. Veja por exemplo, antigamente uma única pessoa era poeta, músico, físico, político, biólogo, dramaturgo… Porém, essa separação também ocorre no caso da Nutrição. Se esquecem que tudo está interligado, que o corpo, a mente e o ambiente interagem entre si. Se esquecem do mais básico: por quais motivos as pessoas comem o que comem? Por que não entender esses princípios “básicos” antes de sair fazendo prescrições adoidadas como forma de “tapar buraco”?
A ciência da Nutrição
A cada dia aprendo mais o quanto existe toda uma ciência por trás que explica muita coisa (e ainda tem muito mais para explicar). Um exemplo que hoje faz sentido como um mais um é igual à dois, é que por trás de toda escolha alimentar, que é um comportamento, existem fatores antecedentes e consequências, e ambos reforçam os comportamentos alimentares.2 Que os fenômenos da nossa espécie, o que foi aprendido desde dentro da barriga da nossa mãe e todo o contexto e acúmulo de experiências e conhecimento que adquirimos ao longo da vida, trabalham juntos na hora de fazermos uma “simples” escolha de um alimento.
Aprendi cientificamente como os seres humanos ao comerem uma refeição, também interagem com o meio. Que sinais de saciedade e o sistema de recompensa (como ansiedade, humor, influências sociais, da mídia, aprendizados por consequência e prazer), podem se sobressair aos sinais do próprio corpo. E que se você priva esses estímulos, você aumenta a vulnerabilidade do próprio corpo, aumentando a memória por determinado tipo de alimento, por exemplo. E que esse é um dos fatores para uma pessoa ter episódio de comer desinibido, em exagero (que é diferente de compulsão alimentar). 2
Que desde o tempo das cavernas nós humanos ainda que inconscientemente buscamos por maximizar nossos ganhos (como nutrientes e energia) e minimizamos os custos (como o gasto energético) na hora de fazer uma escolha alimentar e que isso pode prejudicar tentativas conscientes de tentar restringir um alimento da nossa alimentação. 2
Que baseado em teorias comportamentais, tudo o que você pensa afeta o que você sente. Que independentemente da situação que você esteja e da crença que possua, você vai ter uma resposta emocional, comportamental e fisiológica. E que por isso e tantas outras coisas é TÃO difícil e complexo estudar o comportamento alimentar humano, visto que a comida é um dos prazeres mais acessíveis que se tem, se não o mais acessível. 2
Poder explicar a um paciente, cliente ou conhecido que o apetite dele é um processo natural e fisiológico, desenvolver habilidades individuais relacionadas a alimentação e diminuir barreiras ao acesso a informações científicas de forma compreensível, é a melhor forma de acolhê-los.
Que a frase citada pela professora Dra. Marle dos Santos Alvarenga, em uma de suas extraordinárias aulas de Comportamento Alimentar na FSP – USP*, que cursei no primeiro semestre deste ano – parafraseada de outro professor (Scrinis Gyorgy), futuramente não faça mais sentido na nossa sociedade. “As pessoas atualmente estão nutricionalmente informadas, porém nutricionalmente confusas e ansiosas”. E a obesidade e a insegurança alimentar continuam crescendo no nosso país.
Que eu e você, como nutricionistas, mesmo que devagar, passo a passo, possamos contribuir a mudar esse panorama no Brasil, que tenhamos um olhar mais humano e sistêmico com o próximo, e que daqui alguns anos a saúde da população e as informações disseminadas sejam muito melhores que as de hoje.
Especial por
Laura Apolonio Bertoni – Nutricionista graduada pelo Centro Universitário São Camilo (CUSC), Pós Graduanda em Nutrição Vegetariana e aluna especial na Pós Graduação de Nutrição em Saúde Pública (FSP/USP). Participa do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar da FSP-USP (GAC-FSP/USP).
PS: a disciplina “Comportamento alimentar – implicações para o cenário atual da alimentação” é oferecida no programa de pós graduação em Nutrição em Saúde Pública da FSP-USP, é aberta à alunos de pós graduação ou alunos especiais; mas você pode estudar mais comportamento alimentar com os cursos de extensão e a Capacitação do Instituto Nutrição Comportamental! 😊
Referências:
1. Scrinis G. Nutricionismo:
a ciência e a política do aconselhamento nutricional. São Paulo: Elefante, 2021.
2. Alvarenga M, Dahás L, Moraes C. Ciência do Comportamento Alimentar. Santana de Parnaíba: Manole, 2021.
Parabéns! Muito interessante.