No cotidiano dos nutricionistas, a constante busca por evidências científicas é fundamental para assegurar a confiabilidade e segurança das recomendações e comunicações.
Interpretação Científica
No entanto, o grande desejo de levar “ciência” para os pacientes e seguidores pode partir de equívocos de interpretação científica e até mesmo crenças prévias, que não possuem embasamento. Dessa maneira, mitigar este risco, é imprescindível que os nutricionistas cultivem um pensamento cético, constantemente refletindo sobre suas próprias crenças e motivações.
Princípios do Pensamento Cético na Prática Nutricional
O físico norte-americano Carl Sagan, renomado por sua contribuição à divulgação científica, apresentou princípios essenciais que auxiliam na construção do conhecimento em qualquer campo, incluindo a ciência da Nutrição.
Estes princípios incentivam uma abordagem crítica e reflexiva, ajudando os profissionais a discernir entre evidências sólidas e opiniões dos autores e outros colegas de profissão. A seguir, alguns desses princípios aplicados à Nutrição:
Confirmação independente dos fatos: Verifique se uma nova pesquisa sobre os benefícios de um alimento, nutriente ou intervenção foi replicada e revisada por outros pesquisadores. Vale ressaltar que, resultados divulgados por um único estudo devem ser encarados com cautela.
Valorize o debate: Analisar e discutir todas as evidências disponíveis é vital, inclusive aquelas que apoiam visões diferentes das suas e dos autores que você confia. Sendo assim, debate científico (mesmo que ocorra somente na sua cabeça) fortalece a qualidade de qualquer recomendação.
Argumentos de autoridade têm pouca importância: Desconsidere recomendações de celebridades sobre alimentação e suplementos. Nesse sentido, mesmo figuras importantes da área acadêmica devem fornecer evidências objetivas para suas afirmações.
Pense em mais de uma hipótese: Considere alternativas e possíveis confundidores em estudos que mostram benefícios de certos padrões alimentares ou intervenções. A diversidade de hipóteses fortalece a análise científica.
Não fique agarrado a hipótese: Esteja aberto a evidências que possam contradizer suas crenças. Manter a mente aberta é crucial para não ignorar dados importantes que possam surgir.
Sempre que for possível, fique atento aos números: Embora estudos qualitativos sejam relevantes para explorar possibilidades, os dados quantitativos são, por outro lado, necessários para guiar recomendações precisas. Portanto, verifique a representatividade das amostras utilizadas nas pesquisas – tanto pelo tamanho (n) quanto pelo método de seleção.
Se há uma cadeia de argumentos, todos precisam ser coerentes e devem funcionar: Cada elo da cadeia do seu pensamento deve ser consistente. Por exemplo, quando se diz que diminuir o estigma de peso ajuda no manejo da obesidade: há uma redução de comportamentos alimentares desordenados; há um menor estresse crônico; existe melhora ao acesso a cuidados médicos; e há um aumento do suporte social.
Navalha de Occam: Quando há múltiplas explicações para uma intervenção, a mais simples geralmente é a melhor. Ou seja, simplificar sem perder a essência pode ser a chave para soluções eficazes.
Questione se a hipótese pode ser falseada: Uma teoria sólida deve permitir que se prove que está errada. De maneira que, se não há base para questionamento, não é possível verificar a veracidade da hipótese.
Conclusão: A Importância do Pensamento Cético
O pensamento cético é uma ferramenta poderosa para os nutricionistas, permitindo a construção de práticas baseadas em evidências robustas e constantemente revisadas. Todavia, adotar uma postura crítica não significa ser um chato pessimista que desconfia de tudo, mas sim buscar a aproximação dos fatos por meio de um processo rigoroso de verificação e validação. aplicar esses princípios no dia a dia, o profissional pode oferecer recomendações mais responsáveis, seguras e ajustadas às necessidades de cada indivíduo.
Especial por Felipe Daun, nutricionista.
SOBRE O AUTOR
Nutricionista, mestre e doutorando pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Parceiro do Instituto Nutrição Comportamental.
Se você gostou deste conteúdo, explore mais dos nossos textos sobre nutrição aqui.
E nos acompanhe nas redes sociais para mais atualizações sobre Nutrição Comportamental.
Referência bibliográfica:
Sagan C, Druyan A. The Demon-Haunted World: Science as a Candle in the Dark. New York: Ballantine Books; 1997