A Importância do Cinema na Nutrição

Ainda que não seja o único, “Ratatouille” é um filme frequentemente lembrado por nutricionistas como um exemplo de valorização da comida, do prazer em comer e de todos os significados que circundam a nossa alimentação. Especialmente uma das cenas finais da animação, quando um crítico gastronômico se reconecta com suas memórias afetivas ao experimentar o prato que dá nome ao filme, é bastante usada em aulas e palestras destinadas a estudantes de nutrição e nutricionistas. Mas não são só exemplos positivos do cinema que podem contribuir para a formação do profissional em Nutrição. Na verdade, exemplos “negativos” sobre a relação com a comida e suas nuances colaboram para entender contextos e possibilidades que se distanciam da realidade pessoal do nutricionista. Um desses exemplos é o filme Clube Zero. 

 

Um Exemplo Diferente: “Clube Zero”

Ainda que sejam numerosos em diversas produções cinematográficas, dificilmente um único filme consegue reunir muitos exemplos das influências em nosso comportamento alimentar – mas “Clube Zero” é diferente. O longa europeu é um prato cheio para entender como jovens (e adultos) lidam com as influências sobre o que pensam e fazem em relação à comida.

A Trama de “Clube Zero”

Escrito e dirigido por Jessica Hausner, uma cineasta austríaca, a trama de “Clube Zero” traz uma professora de uma escola de elite que introduz uma aula de nutrição baseada em um “conceito novo”: a alimentação consciente. Em encontros regulares com um pequeno grupo de alunos, ela vai exercendo influência para que eles mudem não só seus hábitos alimentares, mas a forma de enxergar os alimentos – chegando ao ponto de fragilizar a relação dos adolescentes com suas famílias. Hausner fala sobre seu filme como um exemplo problemático de pais que delegam suas responsabilidades à escola e nela depositam toda a sua confiança, mas para passar essa mensagem a cineasta abusa de exemplos rotineiros e atuais da nossa relação com a comida.

A Deturpação do Mindful Eating

A “alimentação consciente” apresentada no longa nada mais é do que uma versão deturpada e sombria do Mindful Eating, onde tira-se o foco da reconexão com os sinais internos para promover apenas um “comer menos” indiscriminado. Mecanismos reais da compensação do nosso organismo frente a restrição alimentar são minuciosamente mal interpretados para transmitirem a ideia absurda de que o nosso corpo pode ser treinado para não precisar de comida para sobreviver.

Soma-se, ainda, o raso discurso condenatório sobre o capitalismo e o lucro da indústria de alimentos que é bastante popular entre as novas gerações – “aqueles que vivem sem comida são livres e ameaçadores para o sistema capitalista” é uma das frases que chama bastante atenção.

Crítica à Desinformação e à Autoridade

É irônico como a cineasta conseguiu colocar na figura da professora tanto os perigos dos profissionais de saúde que, apesar de formados, tem um fraco entendimento sobre ciência e acreditam verdadeiramente nos absurdos que praticam e propagam, como a hipocrisia do discurso político contra o lucro da indústria de alimentos – já que a professora ficou conhecida vendendo “chás para jejum” com seu rosto estampado na caixa.

Mia Wasikowska em Clube Zero (PANDORA FILMES)

Exploração de Transtornos Alimentares

“Clube Zero” aborda transtornos alimentares (e tem uma cena bastante forte neste âmbito), mas de maneira nenhuma se limita a este foco – e um dos pontos mais interessantes é que questões relacionadas a padrões de beleza e imagem corporal não são apresentadas como moduladores das escolhas alimentares dos jovens. Preocupações com o ambiente e a saúde são colocadas como verdadeiras prioridades, não apenas como uma forma de mascarar a vontade de ser magro. De fato, não é um absurdo imaginar que as gerações mais novas, imersas em discursos inclusivos sobre tamanho do corpo mas infladas em suas preocupações com o futuro, possam se submeter a comportamentos de risco em prol de alguma causa que considerem relevante.

 

Expor comportamentos de risco, em diferentes níveis, é o que torna o filme tão atraente para nutricionistas, em especial aqueles pouco familiarizados com o tema ou mesmo aqueles que insistem em incentivar ações semelhantes aos seus próprios pacientes. A gama de situações expostas na tela inclui: a atribuição de valores morais a diferentes tipos de alimentos; o julgamento constante sobre o que é ou não consumido; a presença do “policial alimentar” personificado em diversos personagens; o reforço positivo para o suposto “autocontrole”; a exacerbação do real impacto de alimentos no organismo; o sentimento de culpa por sentir fome; a relevância social da alimentação; as crenças sobre o que é certo ou errado consumir; a vulnerabilidade das pessoas frente a falsos discursos de autoridade.

Ao longo de todo a trama, essas situações ilustram toda a regulação externa e interna do comportamento e de forma muito perspicaz mostram que todas as classes sociais e pessoas com diferentes níveis de instrução estão susceptíveis a desinformação sobre alimentação e saúde.

Conclusão: “Clube Zero” e “Ratatouille” como Contrapontos

Trata-se de um antagonista a “Ratatouille” não só pelas diversas cenas que desprezam o ato vital de se alimentar, mas pela clareza em mostrar que da mesma forma que a comida tem um impacto na nossa vida, a nossa vida também tem um impacto na nossa comida – o que pode ser facilmente esquecido por alguns nutricionistas na hora de planejar condutas.

 

“Clube Zero” chega às salas de cinema brasileiras em 25 de abril de 2024.

Especial por Felipe Daun, nutricionista (e um entusiasta de cinema).

 

SOBRE O AUTOR
Nutricionista, mestre e doutorando pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Pesquisador na área de comunicação em saúde e comunicação na internet. Parceiro do Instituto Nutrição Comportamental.

 

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One Comment

  • Rita Caputi disse:

    Lembrei de vc, Felipe, ao ler esta matéria, e fiquei feliz em ver que ela foi escrita por vc!
    Este filme é o que mostra uma cena em que uma personagem come uma refeição, vomita esta refeição, para aí sim, podem consumi-la?

    Arrasou, parabéns.
    Grande abraço.

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