Uma duração do sono de 7 a 9 horas para adultos é sabidamente necessária para manter a saúde, enquanto uma duração menos de 6 h para adultos é considerada insuficiente e relacionada a uma série de consequências à saúde. A duração média do sono autorreferida em adultos tem cada vez mais se reduzido, sendo estimado que, entre 2007 e 2010, até 37,3% dos adultos norte-americanos relataram sono de curta duração, e este número vem crescendo na última década. O ambiente urbano vem mudando, o que também teve um impacto em nossos padrões alimentares e de sono e, possivelmente, em resultados de saúde.
Alguns estudos mostraram que a duração e a qualidade do sono diminuíram nas últimas décadas, principalmente em crianças, enquanto paralelamente, nosso estilo de vida e padrões alimentares também mudaram, incluindo mais trabalho por turnos, mais refeições fora de casa ou do ambiente familiar e padrões alimentares mais irregulares.
Os vínculos entre duração curta do sono e obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares podem ser mediados por alterações do comportamento alimentar. Os estudos observaram associações consistentes entre a curta duração do sono e maior consumo total calórico, em especial maior consumo de gordura, menor consumo de frutas e escolhas alimentares de menor qualidade. As evidências também sugerem que indivíduos que dormem pouco podem ter um padrão alimentar irregular, desorganizando a rotina das 3 refeições tradicionais do dia para menos refeições principais e mais frequentemente lanches energeticamente mais densos e altamente palatáveis à noite. Embora o impacto da curta duração do sono aguda na ingestão alimentar pareça ser pouco relevante em estudos experimentais, se cronicamente persistente, pode contribuir para um risco aumentado de obesidade e doenças crônicas relacionadas. Há diferentes publicações científicas de estudos que avaliam o impacto da curta duração do sono na saúde e ingestão alimentar, monitorando a ingestão calórica em adultos e a possível relação de causalidade entre sono e comportamento alimentar. É possível observar o aumento da ingestão total calórica no dia seguinte a noites de restrição de sono de apenas 4 horas, mas embora ainda inconsistentes, podem aparecer diferenças na ingestão de nutrientes específicos, incluindo uma maior ingestão de gordura total, tendência ao consumo de lanches, ricos em carboidratos, particularmente no período noturno, no pós-jantar, além de maior consumo de sobremesas.
Os mecanismos de mediação das associações entre duração do sono e consumo alimentar permanecem incertas, mas é provável que a mudança do comportamento alimentar seja multifatorial e inclua diferenças nos níveis séricos de hormônios relacionados ao apetite, como leptina e grelina. A má higiene do sono (duração curta, padrão irregular e qualidade prejudicada) na infância parece estar associada ao ganho excessivo de peso ao longo do tempo em crianças e adolescentes. O padrão de comportamento alimentar tem sido proposto como um mecanismo de relação através do qual a associação entre sono ruim e obesidade se estabelece, sendo considerada a hipótese de que comportamentos alimentares e sono estão associados tanto a fatores biológicos quanto a mecanismos comportamentais. Por exemplo, sono insuficiente pode levar a padrões ou hábitos alimentares não saudáveis (por exemplo, comer na ausência de fome, comer em resposta ao estresse emocional) e / ou promover escolhas alimentares facilitadoras de ganho de peso (por exemplo, desejo por doces).
Há uma nova área de pesquisa em ciências nutricionais que estuda o impacto do ritmo circadiano da alimentação nos parametros de saúde chamada crononutrição, que combina elementos de pesquisa nutricional com cronobiologia. Uma das primeiras pesquisas epidemiológicas sobre crononutrição demonstraram que pessoas com uma rotina circadiana alimentar irregular tiveram maior risco de obesidade e síndrome metabólica, apesar de aparentemente consumirem menos energia do que aqueles que faziam refeições em horários mais regulares como rotina. A crononutrição estuda os efeitos dos horários alimentares, do impacto da irregularidade e da frequência das refeições e o ritmo circadiano temporal das refeições.
Levando em conta essas evidências epidemiológicas das relações aparentemente bidirecionais entre perda de sono, metabolismo e comportamento alimentar, as estratégias de promoção da saúde devem enfatizar a organização do sono como um fator adicional na saúde e controle de peso. Além disso, embora sejam conhecimentos ainda incipientes, futuras intervenções do sono em estudos controlados e ensaios de extensão do sono em pessoas que dormem pouco, são imperativos para estabelecer se existe uma relação causal entre a curta duração do sono e as mudanças na ingestão alimentar.
Por Alexandre Pinto de Azevedo
Bibliografia para consultar:
Short Sleep Duration and Dietary Intake: Epidemiologic Evidence, Mechanisms, and Health Implications. Hassan S Dashti, Frank AJL Scheer, Paul F Jacques, Stefania Lamon-Fava, José M Ordovás. Adv Nutr. 2015 Nov; 6(6): 648–659.
New Pathways From Short Sleep to Obesity? Associations Between Short Sleep and “Secondary” Eating and Drinking Behavior. Tajeu GS, Sen B. Am J Health Promot. 2017;31(3):181-188. doi:10.4278/ajhp.140509-QUAN-198.
Sleep and dietary habits in the urban environment: the role of chrono-nutrition. Pot GK. Proc Nutr Soc. 2018;77(3):189-198. doi:10.1017/S0029665117003974
Sleep duration and quality are associated with eating behavior in low-income toddlers. Miller AL, Miller SE, LeBourgeois MK, Sturza J, Rosenblum KL, Lumeng JC. Appetite. 2019;135:100-107. doi:10.1016/j.appet.2019.01.006
Especial por dr.alexandrepintodeazevedo Médico Psiquiatra do Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) e do Programa de Transtornos do Sono do Instituto de Psiquiatria do HC FMUSP.