Associar a imagem corporal e o comportamento alimentar não é tarefa nova. Contudo, temos que considerar a complexidade de ambos os conceitos ou construtos e as implicações da multidimensionalidade destes sobre os estudos até então realizados.

Ou seja, há uma dificuldade clara em se investigar todos os aspectos relevantes dentro do que denominamos “imagem corporal” e “comportamento alimentar”, de forma que os pesquisadores se valem de um olhar focalizado em apenas alguns aspectos de ambos os construtos. Assim, antes de abordar a relação entre essas duas variáveis, vale enfatizar seus conceitos.

Conceitos

O que é a imagem corporal?

A imagem corporal é descrita como a experiência humana sobre o corpo (1), ou ainda, a imagem mental que os indivíduos têm do seu corpo e das partes que o constituem, assim como os sentimentos concernentes a ele (2). Em aspectos práticos, é investigada tomando como base ao menos duas dimensões, atitudinal e perceptiva, tendo cada uma delas alguns componentes de interesse (1). A dimensão atitudinal é composta pelas crenças (aspecto cognitivo), sentimentos (aspecto afetivo) e comportamentos em relação ao próprio corpo e à aparência física. Já a dimensão perceptiva envolve aspectos sensoriais e não-sensoriais referentes ao julgamento do tamanho e das formas corporais.

O que é o comportamento alimentar?

Já o comportamento alimentar, embora não possua uma definição unânime no campo de pesquisa ou entre pesquisadores, pode ser descrito, assim como a imagem corporal, como um construto multidimensional. Este construto envolve um conjunto de fatores cognitivos e afetivos que estão diretamente relacionados às condutas alimentares dos indivíduos e que sofrem influências psicológicas, sociais e culturais (3).

A relação entre imagem corporal e comportamento alimentar

Certamente existem inúmeros estudos transversais abordando a relação entre aspectos da imagem corporal e do comportamento alimentar. Entretanto, sabidamente, tal delineamento é limitado, uma vez que não possibilita uma análise causal. Ou seja, não se pode, por meio destes estudos indicar com elevado grau de segurança que distúrbios ou distorções de imagem corporal podem causar alterações no comportamento alimentar e vice-versa. Contudo, os estudos de associação permitiram que pesquisadores desenvolvessem modelos teóricos, hipoteticamente causais, para a compreensão da relação entre essas variáveis.

Tais modelos, como o Dual-Pathway Model (4) e o Tripartite Influence Model (5-7) são hoje referência quando abordamos os temas imagem corporal e comportamento alimentar, mais especificamente, quando abordamos a internalização dos ideais de corpo (aspecto cognitivo da imagem corporal), a insatisfação corporal (aspecto afetivo da imagem corporal) e o comer transtornado (foco central desses modelos).

Modelo: Dual-Pathway

Stice et al. (4) desenvolveram o Dual-Pathway Model. Trata-se de um modelo hipotético causal que avalia fatores preditores do comer transtornado. Segundo os autores a pressão para a magreza e a internalização de ideais magros são fatores que desencadeiam a insatisfação com o próprio corpo. Esta, por sua vez, pode conduzir a adoção de comportamentos deletérios à saúde, realizados na tentativa de reduzir o sentimento negativo com o próprio corpo, como a prática de dietas restritivas. Pode ainda alterar o afeto dos indivíduos, gerando afeto negativo. Esses dois desfechos (dieta restritiva e afeto negativo), por fim, conduzem ao comer transtornado.

Modelo: Tripartite Influence

Já Thompson e colaboradores (5) desenvolveram um modelo teórico, intitulado Tripartite Influence Model, a fim de avaliar fatores de risco associados à insatisfação corporal e à sintomatologia bulímica em mulheres. De acordo com este modelo, três fontes socioculturais (pais, amigos e mídia) podem influenciar a satisfação corporal e o comportamento alimentar, mediados por duas variáveis: a internalização de um ideal corporal (“internalização”) e a comparação social do corpo (“comparação social”). Este modelo foi extensivamente avaliado em diversos países e realidades culturais, incluindo homens e mulheres brasileiras (6,7), inclusive de forma longitudinal (8).

Qual a relação entre os dois modelos?

Estes modelos teóricos possuem algumas similaridades. Em primeiro lugar, a internalização dos ideais de corpo (compreendida como um processo de adoção do ideal de corpo criado pela sociedade como seu próprio padrão e objetivo corporal) é considerada variável preditora da insatisfação corporal (4,5). Embora isso seja claro para a maioria dos Nutricionistas e profissionais de saúde, estes modelos permitem comprovação teórica de que adotar padrões estéticos externos pode conduzir ao desenvolvimento de desgosto profundo com o corpo e com a aparência.

Em segundo lugar, ambos os modelos indicam que a insatisfação corporal é um fator essencial para o desenvolvimento de comer transtornado. A insatisfação corporal é descrita como uma avaliação negativa do próprio corpo/aparência (1).  Como o ideal de corpo atual é difícil alcançar, muitas mulheres e homens se sentem frustrados com sua aparência física. Este sentimento é acompanhado de profunda insatisfação e afeto negativo. Já faz algum tempo que a insatisfação com o peso e a forma corporal é considerada o principal fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares (9-11).

Tomado em conjunto, os modelos teóricos apresentados alertam para a importância de considerar aspectos da imagem corporal (mais especificamente, internalização do ideal de corpo e insatisfação corporal) sobre possíveis alterações no comportamento alimentar. Deste modo, a avaliação da imagem corporal, incluindo a análise de crenças, sentimentos e comportamentos em relação ao próprio corpo, é fundamental.

É preciso criar um ambiente seguro e confortável para que as inquietudes em relação ao próprio corpo e aparência sejam apresentadas.

Uma proposta de Nutrição Comportamental que desconsidere aspectos biopsicossociais não é possível. Assim, a imagem corporal é um dos aspectos fundamentais na mudança de comportamento. Há, certamente, uma relação íntima entre o corpo e o comer, a comida, a alimentação. São inúmeros símbolos presentes nessa relação. Destaco, porém, que existe um universo de relações entre o comportamento alimentar e a imagem corporal não abordado aqui. No entanto, o que se pretende é mostrar que há uma íntima relação entre eles e que precisamos nos aprofundar nessas relações para auxiliar pessoas a lidar de maneira funcional e positiva com o seu corpo e com a sua alimentação.

Este artigo tem continuidade na parte 2. Confira!

Autoria:

Série especial por Pedro Henrique Berbert de Carvalho (@phd.pedrocarvalho)

Profissional de Educação Física e Doutor em Psicologia – UFJF

Refereências:
  1. Cash TF, Smolak L. Body image: A handbook of science, practice, and prevention (2nd ed.). New York, NY: The Guilford Press; 2011.
  2. Slade PD. What is body image? Behaviour and Research Therapy. 1994;32(5):497-502.
  3. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição Comportamental. São Paulo, Brasil: Manole; 2019.
  4. Stive E, et al. The dual pathway model differentiates bulimics, subclinical bulimics, and controls: Testing the continuity hypothesis. Behaviour Therapy. 1996;27(4):531-49.
  5. Thompson JK, Heinberg LJ, Altabe MN, Tantleff-Dunn S. Exacting beauty: Theory,assessment and treatment of body image disturbance. Washington, DC: American Psychological Association; 1999.
  6. Carvalho PHB, Alvarenga MS, Ferreira MEC. An etiological model of disordered eating behaviors among Brazilian women. Appetite. 2017;116;164-72.
  7. Carvalho PHB, Ferreira MEC. Disordered eating and body change behaviours: Support for the Tripartite Influence Model among Brazilian male university students. Ciencia & Saude Coletiva, 2020 (ahead of print).
  8. Rodgers RF, Mclean SA, Paxton SJ. Longitudinal relationships among internalization of the media ideal, peer social comparison, and body dissatisfaction: Implications for the Tripartite Influence Model. Developmental Psychology. 2015;51(5):706-13.
  9. Stice E. Risk factors for eating pathology: Recent advances and future directions. In: Striegel-Moore RH, Smolak L (Eds.). Eating disorders: Innovative directions in research and practice. Washington, DC: American Psychological Association; 2001. pp. 51-73.
  10. Stice E. Risk and maintenance factors for eating pathology: A meta-analytic review. Psychological Bulletin. 2002;128(5):825-48.
  11. Stice E, Marti CN, Durant S. Risk factors for onset of eating disorders: Evidence of multiple risk pathways from an 8-year prospective study. Behavior Research and Therapy. 2011;49(10):622-27.

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