Dando sequência ao 1º texto desta série publicado em 26/Abril. Vamos falar em critérios para diagnóstico de vício. A comida (e também suas substâncias, veremos em breve) atendem os critérios diagnósticos do DSM5 (Manual diagnóstico e estatístico para transtornos mentais) para serem classificadas como “viciantes”? É provável que nem o suficiente para serem classificadas como “vicio leve” (classificação a partir da inclusão de 2-3 critérios). Particularmente em relação aos critérios de tolerância (que seria uma busca escalar pela comida, ou substância) e abstinência (com sintomas como sudorese e tremor), parece ser difícil atribuí-los a comida, e quando o são, ocorrem de maneira frouxa e imprecisa. Confunde-se com tolerância o aumento pontual em quantidades consumidas associada a perda de prazer (o aumento escalar e a circunstância não é considerado). E há confusão ao se atribuir ansiedade e inquietude por comida a abstinência (ansiedade e inquietude são suficientes para caracterização de abstinência?)¹ . Mas pode-se perguntar: “a comida não estimula nosso sistema de recompensa dependente de dopamina, assim como as drogas?” Sim! Assim como ocorre quando ouvimos uma boa música ou demonstramos e recebemos afeto². Esse é outro problema comum: exames de ressonância magnética funcional ou tomografia por emissão de pósitrons, que avaliam a função cerebral e que mostram que áreas de recompensa do cérebro são ativadas quando o indivíduo é exposto a comida (e as palatáveis), mas não é atestado de que comida vicia¹. Já que drogas, comida, música e tantas outras coisas estimulam nosso sistema de recompensa, quer dizer que estes estímulos são iguais? Até o momento, tudo indica que esta rede neural é muito complexa e apresenta diferenças para cada estímulo.
E antes que surja a pergunta sobre a cafeína, apesar de ser estar classificada como substância viciante no DSM-5, uma vez que seu consumo via café é tão comum e amplo, é extremamente raro que seu consumo seja equivalente ao uso de álcool, cocaína, opióides e outras drogas de abuso, o que vem sendo discutido amplamente em revisão³.
Nos vemos na próxima postagem. César Henrique (@nutri_cesar)
Referências
1. Fletcher, P.C., Kenny, P.J. Food addiction: a valid concept?. Neuropsychopharmacol 43, 2506–2513 (2018).
2. Alonso-Alonso M, Woods SC, Pelchat M, et al. Food reward system: current perspectives and future research needs. Nutr Rev. 2015;73(5):296–307. doi:10.1093/nutrit/nuv002
3. Addicott MA. Caffeine Use Disorder: A Review of the Evidence and Future Implications. Curr Addict Rep. 2014;1(3):186–192. doi:10.1007/s40429-014-0024-9