
O Comportamento Alimentar dos Nutricionistas
Sabemos que os estudos sobre alimentação têm evoluído, já que hoje as pesquisas não se reduzem somente à investigação do consumo alimentar, mas buscam avaliar também os aspectos cognitivos, sociais, ambientais e psicológicos da alimentação – considerando a sua multidimensionalidade.
Neste sentido, temos uma série de estudos que se dedicaram a avaliar o comportamento alimentar de populações, entre elas a de nutricionistas e estudantes de Nutrição, visto que, dada a natureza do campo, a profissão poderia influenciar o comportamento em relação à alimentação.
Como a formação influencia no comportamento alimentar dos Nutricionistas?
Por que você escolheu estudar nutrição? Essa esolha teve alguma relação com questões pessoais sobre comida e corpo?
Afirma-se que nutricionistas podem sentir uma pressão social adicional para comer de uma certa maneira e alcançar/manter um certo peso, afetando seu próprio comportamento alimentar1. Além disso, discute-se que tal associação se dá também pela própria formação em Nutrição, na qual a temática saúde-doença-alimentação é muitas vezes reduzida a um olhar biologicista2.
Considera-se, ainda, que a busca pelo curso de Nutrição pode ser influenciada por experiências pessoais ligadas à alimentação e peso corporal3.
Como você acha que deve comer e como deve “parecer” sendo nutricionista?
Alguns estudos avaliaram as concepções de alimentação saudável na população de nutricionistas com os seguintes resultados:
- Um lado mostra a presença de profissionais de Nutrição que classificaram a “saudabilidade” dos alimentos principalmente pelo seu conteúdo nutricional, em detrimento de outras características como tamanho médio de porção, frequência de consumo, característica do alimento, entre outras4.
- Outro lado aponta que os profissionais consideram alimentação saudável como uma necessidade biológica, refutando outras dimensões5.
Em estudantes de Nutrição houve resultado parecido, a maior parte dos participantes tinha uma resposta sobre alimentação saudável relacionada aos aspectos puramente biológicos, enquanto uma parcela menor respondeu como um fenômeno biopsicossociocultural – somado aos biológicos6.
Ainda com esse público, uma pesquisa apontou que 48,8% concordaram que nutricionistas devem ser exemplo de boa forma e 41,9% que estudar Nutrição aumentou a culpa ao comer2. Tais crenças se refletem nos achados em relação à avaliação do comportamento de risco para transtornos alimentares e insatisfação com a imagem corporal em nutricionistas e estudantes de Nutrição, seja no contexto brasileiro, como em outros países.
Essas pesquisas encontraram resultados variados, mas indicando alta frequência de insatisfação corporal nesses grupos, chegando a 75,8% em estudantes de Nutrição7. Em relação ao comportamento de risco para transtornos alimentares, estudos apontaram frequências de 13,7% a 24,7%7-15.
Outros estudos, em diversos países, mostraram que a Ortorexia Nervosa (quadro caracterizado pela preocupação excessiva com a alimentação saudável) também apresenta alta frequência, tanto em nutricionista quanto em estudantes de Nutrição, variando de 3,3% a 88,7%16.
A investigação sobre essas associações ainda carece de mais estudos, especialmente pesquisas com métodos mais acurados, trazendo mais comparações com grupo controle e amostras em diferentes contextos, de modo a ilustrar melhor o cenário. Além disso, os estudos usam diferentes instrumentos para avaliação dos comportamentos pretendidos, alguns deles com certas limitações.
Por isso é importante que mais estudos auxiliem também na compreensão se o comportamento alimentar dos nutricionistas é influenciado pelo curso ou se eles já chegam à universidade com tais sintomas.
Caminhos para uma realidade diferente
Mesmo considerando as limitações supracitadas, o que temos até aqui já nos permite refletir sobre o tema e pensar sobre caminhos para construção de uma realidade diferente.
Considerando que o comportamento alimentar pessoal pode interferir na atuação do nutricionista – já que essas crenças podem refletir na conduta com os pacientes/clientes – é necessário que se olhe e se discuta tais relações ainda na formação17.
Embora o curso de Nutrição seja pautado por uma diretriz de espectro amplo e multidisciplinar, os cursos não são homogêneos. Assim, dadas as diferenças entre cursos e instituições, especialmente o foco em atendimento clínico na Nutrição ainda é majoritariamente reduzido à prescrição de dietas com base em energia e nutrientes.
É fato que esse modelo vem sendo amplamente discutido e fortemente desencorajado, por parte das próprias organizações profissionais, mas é necessário que a formação acadêmica em Nutrição aborde esse debate na prática, a fim de diminuir o risco de comportamento alimentar disfuncional – que alguns colocam até como inerente à profissão.
Temas como a forte pressão sociocultural que impõe um ideal de corpo magro e fitness que se sobrepõe aos princípios da saúde e da atuação do nutricionista, precisam ser trabalhados – pensando na prevenção de problemas alimentares para este grupo e da população, que receberá suas orientações.

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