Você já deve conhecer a relação direta do comportamento alimentar na infância com a prevenção de doenças futuras. Entretanto, como ela ocorre?
Para uma orientação nutricional assertiva em pediatria, o profissional de saúde precisa compreender os principais componentes envolvidos na formação do comportamento alimentar na infância, bem como reconheça os fatores e atitudes que podem influenciá-lo.
Está bem evidenciado na literatura que uma nutrição adequada nos primeiros anos de vida, com destaque aos primeiros mil dias, é considerada essencial para garantir um crescimento e desenvolvimento de forma saudável.
As experiências nutricionais nos primeiros mil dias de vida podem impactar na vida adulta e até mesmo influenciar futuras gerações. Este fato se dá porque as privações alimentares ou excessos, durante este período de desenvolvimento humano, poderão implicar em alterações epigenéticas.
Dessa forma, a nutrição recebida poderá promover alterações na expressão de genes, os quais podem estar envolvidos na gênese de doenças, como a obesidade, diabetes mellitus e doenças cardiovasculares.
O começo do comportamento alimentar na infância
A habilidade de percepção de sabores se inicia de forma precoce, por meio das experiências iniciais, já durante o período intrauterino e na amamentação. Portanto, destaca-se o papel da dieta materna para promoção de diversidade de sabores à esta criança.
Ao nascer, o ser humano é inato à preferência ao sabor doce por questões de sobrevivência. Há momentos essenciais para prevenção de algumas desordens alimentares comuns à infância, como a seletividade e neofobia alimentar:
a oferta de um amplo repertório de alimentos e sabores através da dieta materna, durante o aleitamento materno exclusivo, bem como durante a introdução alimentar à partir dos seis meses de vida.
Embora a literatura aponte a influência biológica nas preferências alimentares, em virtude do efeito parcial da genética, a cultura e experiências vividas, muitas vezes, sobrepõe os efeitos do genótipo, ou seja, destaca-se a importância de se oferecer um amplo repertório de sabores e experiências alimentares à criança.
O que os pais e profissionais precisam saber sobre o comportamento alimentar na infância?
Dois momentos da infância que são considerados de grande tensão pelos pais, em relação a nutrição e o comportamento alimentar, são a introdução alimentar e a fase pré-escolar.
A introdução alimentar
O início da introdução alimentar pode ser um ponto nevrálgico. Isso porque é um período de transição alimentar em que a criança pode, às vezes, apresentar uma resistência inicial. Ou até mesmo não estar preparada para esta introdução.
Para uma relação saudável e afetiva com os alimentos é necessário dois fatores: o reconhecimento dos sinais de prontidão da criança e as orientações sobre como conduzir esta introdução de maneira responsiva (veja os 4 passos abaixo).
Observa-se maior prevalência de crianças dispostas a provar novos alimentos dentro de um ambiente social positivo.
4 passos para promoção da alimentação responsiva na infância, segundo a Organização Mundial de Saúde:
- Alimentar a criança pequena diretamente e assistir as crianças mais velhas quando elas já comem sozinhas. E também alimentar lenta e pacientemente, além de encorajar a criança a comer, mas não obrigá-la;
- Se a criança recusar o consumo de muitos alimentos, oferecer diferentes combinações de alimentos/preparações, de gostos, texturas e métodos de encorajamento;
- Minimizar distrações durante as refeições, pois a criança perde o interesse facilmente.
- Reforçar que o período destinado à realização das refeições deve ser momentos de aprendizados e amor, conversar com a criança durante a alimentação e manter contato olho no olho.
O período pré-escolar
O segundo momento de possível ansiedade familiar, refere-se ao período pré-escolar, fase em que é comum a redução do apetite e esta pode vir acompanhada de seletividade alimentar.
A redução de apetite gera preocupação nos pais, os quais podem adotar medidas e atitudes inapropriadas na tentativa de fazê-los alimentar-se, tais como: imposições, punições e chantagens alimentares e até mesmo oferta de uma alimentação monótona. Desta forma, para auxiliarmos estas famílias com a principal queixa: “meu filho come mal” em nosso consultório focado em nutrição comportamental, além da investigação do estado nutricional, devemos seguir alguns passos:
- Conhecer o contexto social desta família, com destaque para ambientes de vivência da criança (família, amigos, escola, cuidadores e mídia);
- Identificar as práticas e estilos parentais durante as refeições;
- Avaliação do comportamento alimentar da criança durante as refeições em diferentes ambientes;
- Envolver a criança e os pais na definição e adoção de estratégias de mudanças, utilizando como recurso a entrevista motivacional, por exemplo (saiba mais sobre a técnica no livro Nutrição Comportamental).
Dito tudo isto, convido-o para refletir sobre a importância da utilização de ferramentas de intervenção nutricional com abordagem comportamental na infância. Isso porque estas serão primordiais para êxito na consulta pediátrica, o que implicará em prevenção de doenças, na vida adulta e em futuras gerações.
Referências bibliográficas
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Autoria
Especial por Profa. Dra. Aline de Piano Ganen, nutricionista com Pós-Doutorado em Nutrição pelo Depto de Fisiologia da Nutrição da Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP.
Coordenadora do Mestrado Profissional em Nutrição: do nascimento à adolescência, do Centro Universitário São Camilo.