Quanto vale o conhecimento do nutricionista?
Um dos paradoxos mais interessantes que existe é o da venda da informação, porque antes de conhecê-la, não há um juízo claro de quanto ela vale e depois que você a descobre, não precisa mais pagar por ela1.
Na Nutrição não é muito diferente, pois o nutricionista precisa vender o seu conhecimento antes do cliente ter tido tempo para reconhecer, em profundidade, o quão valioso aquele profissional pode ser.
Especialmente para nutricionistas que trabalham com a abordagem Nutrição Comportamental, essa premissa se intensifica, uma vez que a atuação profissional foge dos padrões e estereótipos para nutricionistas.
Mas, de fato, quanto vale este conhecimento do nutricionista?
A era da (des)informação e do conhecimento…
Estamos no início da terceira década do século XXI, a marca de 8 bilhões de pessoas na Terra acaba de ser atingida2 e nunca produzimos tanto conteúdo e conhecimento quanto agora.
Só em 2022, uma busca simples da palavra “nutrição” na Biblioteca Virtual em Saúde (que reúne diversas bases de dados científicos, incluindo o popular PubMed) retornou mais de 18 mil estudos.
Enquanto você lê este texto, alguém está gravando um vídeo sobre um novo método de emagrecimento, escrevendo um tweet sobre o preço dos alimentos, postando uma foto do que está comendo e tantas outras possibilidades.
Navegando neste oceano de informações, com a ilusão da gratuidade, a maioria das pessoas não terá discernimento para distinguir uma informação que vem de um trabalho sério de uma informação que veio das vozes da cabeça de alguma TikToker qualquer.
Ainda por cima, a maioria das pessoas também terá a ilusão de que estão bem informadas e que sabem sobre as coisas – inclusive sobre alimentação e nutrição, o que irá dificultar muito o trabalho do nutricionista (até mesmo para conseguir clientes).
Se as pessoas realmente perderam a noção, como vão reconhecer o valor do conhecimento de um nutricionista?
Em outras ocasiões já mencionamos o quão desolador é o cenário do Brasil em relação ao nível intelectual das pessoas (assista este reels, trecho de uma das aulas do curso Como Comunicar Nutrição Comportamental para seus Pacientes).
Mas os brasileiros não estão sozinhos e um declínio cognitivo generalizado já é observado em outras partes do mundo, em toda a Europa já existem registros significativos de queda do Q.I. (quociente de inteligência) médio da população.
Alinhado a isto, a ascensão absoluta da internet tem facilitado tamanho acesso a informações (independente de sua qualidade) que o fato de ter um celular com o Google aberto na mão cria a ideia de que a pessoa está bem informada e têm conhecimento.
Uma das engrenagens deste curioso mecanismo da ignorância é algo chamado de information avoidance (evitação de informação, em tradução livre), fenômeno que acontece quando, conscientemente, opta-se por ignorar alguma informação, muitas vezes fazendo algum esforço para não recebê-la4.
E aqui, caímos no paradoxo mencionado alguns parágrafos acima: se as pessoas estão ficando menos inteligentes, acham que estão bem informadas (mesmo não estando) e escolhem o que querem saber ou não querer saber, como vão reconhecer o valor do conhecimento de um nutricionista?
Nadando contra a maré da ignorância
O investimento para se tornar um bom nutricionista hoje, é bastante significativo. São horas de trabalho, estudo e dedicação para resistir a modismos e não cair na tentação de apelar para as dores mais íntimas das pessoas como mote de venda de consulta.
Mas investindo algumas horas a mais, um bom nutricionista também descobre que existem estratégias para mostrar o seu valor que, de certa forma, contornam problemas da percepção do seu público sobre informação.
Uma dessas estratégias, talvez a mais básica, é ser positivo no meio de um oceano de informações negativas. Tal postura já foi defendida logo na primeira edição do livro Nutrição Comportamental4 e foi recentemente corroborada em um estudo3 de uma economista que investigava justamente o interesse e disposição das pessoas em receber algumas informações – calorias e doenças ficam de fora do pool de informações que as pessoas querem receber.
Os autores discutem que aspectos hedônicos podem motivar essa escolha, já que saber que algo ruim vai acontecer no futuro atrapalha o aproveitamento do presente. Traduzindo para os nutricionistas: as pessoas não querem receber más notícias, focar em consequências negativas não será motivador para a maioria das pessoas.
Com esse plano de fundo, é possível especular que nada vale e nada valerá o conhecimento do nutricionista, se ele não souber como transformá-lo e adaptá-lo para a realidade contemporânea.
Caso saiba, o valor será imensurável.
Se você está interessado em saber mais sobre como produzir comunicações com estratégia e embasamento científico conheça o curso “Como comunicar Nutrição Comportamental com seus pacientes”
Assista também
Referências bibliográficas
- Arrow, Kenneth, 1962. Economic welfare and the allocation of resources for invention. In: The Rate and Direction of Inventive Activity: Economic and Social Factors, edited by Universities-National Bureau Committee for Economic Research, Committee on Economic Growth of the Social Science Research Council, 609–26. Princeton: Princeton University Press.
- World Population Prospects 2022: Summary of Results. United Nations. New York, 2022.
- Reisch L.A., Sunstein C.R., Kaiser M. What do people want to know? Information avoidance and food policy implications. Food Policy, 102, 2021.
- Antonaccio A, Godoy C, Figueiredo M, Macedo S. Nutrição Comportamental para uma comunicação responsável em saúde e Nutrição. In: Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio A, organizadoras. Nutrição Comportamental. 2. ed. Barueri: Manole; 2019.
Especial por Felipe Daun.
SOBRE O AUTOR
Nutricionista, mestre e doutorando pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Pesquisador na área de comunicação em saúde e comunicação na internet. Parceiro do Instituto Nutrição Comportamental.