Padrões inalcançáveis de imagem corporal na infância e adolescência

Recentemente, foi divulgado o trailer do novo filme da Pequena Sereia em live action. Contrariando os desenhos, a personalidade escolhida para fazer o papel da Ariel foi uma atriz negra. Em seguida, foram divulgados vários vídeos nas redes sociais com a reação de crianças negras ao ver que a sereia, a princesa Disney, tinha a mesma cor de pele que elas. Esta reação é bem emocionante, assista aqui.

Transpondo este acontecimento para o tema de imagem corporal, vemos que nenhuma das princesas Disney é “mais cheinha”, tem a cintura mais grossa, tem curvas ou pernas grossas.

 

E os padrões de beleza?

 

Quando comparamos o padrão de beleza das mulheres nas décadas de 50, 60 e 70 e o que é considerado hoje em dia, vemos que é “certo” mulheres cada vez mais magras, chegando a ser referência que você seja magra ao ponto de parecer uma viciada em drogas.

Existe uma cobrança em relação ao corpo masculino também, mas uma cobrança em ser mais forte e musculoso. Já quando comparamos ao corpo feminino, esta cobrança é bem menos nociva.

O que é considerado padrão de beleza hoje em dia é praticamente inalcançável. No artigo O Insustentável Peso da Autoimagem 1, vemos que até adolescentes eutróficas se apresentam insatisfeitas com sua imagem corporal e mesmo nutricionistas, que possuem um conhecimento maior sobre este assunto, encontram-se na mesma situação.

Mas quando vemos o que a indústria faz com a imagem das modelos através do Photoshop e como seria uma pessoa real com as dimensões da Barbie, conseguimos entender porque estamos insatisfeitas: os modelos e padrões que são metas durante toda uma vida, simplesmente não existem e portanto, são inalcançáveis.

Se para as pessoas que se aproximam dos padrões estéticos impostos é difícil (porque se aproximar não é o mesmo que ser perfeito), como é para as pessoas que estão mais distantes destes padrões?

Em uma sociedade que só valoriza o visual, como mostrar que você tem valor e é especial mesmo sem ser a Barbie?

 

O padrão de beleza influencia desde MUITO cedo!

 

Desde a mais tenra infância, um dos primeiros ícones e padrão a ser seguido pelas meninas é a boneca Barbie.

Em Early Adolescents Experience with Barbie2, vemos que as meninas têm noção de que a boneca representa algo irreal. Mas de alguma forma ela representa um ícone, que é apresentado a estas meninas desde muito jovens e exercem uma influência muito forte, mesmo com o conhecimento de que essa representação é irreal.

O estudo mostra que estas meninas brincavam com as Barbies construindo narrativas “felizes”, mas também construíam narrativas agressivas e destrutivas. Parece que querem mostrar que não concordam com o papel de mulher que a Barbie representa e querem de alguma forma destruir o ídolo inalcançável.

Fica o questionamento de quantas destas meninas transferem esta agressividade para elas mesmas, gerando uma série de problemas alimentares.

Para piorar ainda mais todo este quadro, hoje temos as mídias sociais, os likes, os filtros, as musas fitness.

Meninas passam muito tempo em frente a telas e são bombardeadas de forma incessante com modelos que são impossíveis ou irreais.

O estudo feito em Do You Like My Photo? – Facebook Use Maintains Eating Disorders Risk3, mostra que os avanços na tecnologia podem estar impactando fatores de risco natural para transtornos alimentares em mulheres.

Se isto já era notado com o Facebook, que poderia ser considerado menos nocivo para a imagem corporal, porque não trabalha só com a imagem, qual impacto o Instagram está provocando na cabeça e na autoimagem feminina, uma vez que se trata de uma mídia baseada em imagens?

Será que estas meninas se dão conta de que existe toda uma produção por traz de cada click e que raramente alguém aparece ali de “cara limpa”?

E o que estamos nos tornando com esta quantidade de filtro que esconde até mesmo a menor das imperfeições?

Fica a impressão de que, assim como ocorreu durante a pandemia, que não reconhecemos as pessoas sem as máscaras, logo não reconheceremos ninguém sem os filtros.

 

Imagem corporal e os transtornos alimentares na infância e adolescência

 

O nível que esta cultura da magreza atinge é impressionante! Em Emaciated Manequins – a study of mannequin body size in high street fashion stores4, vemos que a internalização de um ideal de corpo ultra magro em mulheres, age como um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares.

É quase impossível fugir deste ideal ultra magro, pois desde as bonecas que ganhamos na infância passando pelas princesas Disney, pelos ídolos adolescentes, pelas estrelas de cinema e até os manequins das lojas, tudo afirma que o certo, o bonito, o padrão é ser magro.

Se trouxéssemos para o mundo real o tamanho dos manequins, eles representariam uma mulher magra e doente que nem mesmo menstruaria. Como transformar este padrão de beleza que exalta pessoas doentes?

Existem alguns movimentos no sentido de melhorar este quadro e legislações em países europeus para uso de modelos muito magras, em que algumas lojas disseram ajustar o tamanho dos manequins para tamanhos mais reais.

Veja a campanha realizada pela @astralbr “Pare o Papo de Peso” que ocorreu recentemente: Fat Talk Free Week 

Como sempre, o exemplo deve começar dentro de casa: pais e educadores não devem falar sobre peso, imagem corporal, insatisfação corporal e dietas nem relacionadas aos filhos e nem eles mesmo, principalmente nas fases da infância e adolescência.

Mas uma vez que nós – profissionais da área da saúde – também sofremos influência das mídias e da cultura da magreza, devemos tentar tirar a venda dos olhos e tomar cuidado com os veículos de imprensa ditos “sérios”, que sob a capa de biociência continuam fazendo com que não aceitemos corpos diferentes e saudáveis e continuemos a glorificar a cultura da magreza, como foi bem explorado em O Gordo em Pauta: representação de ser gordo em revistas semanais5.

Os meios de comunicação (mal)utilizam a ciência e as pesquisas cientificas para vender mais, muitas vezes distorcendo dados e criando narrativas falsas como podemos ver muito bem em “A mentira do Glúten”6. Existe sempre um vilão no caminho do corpo ideal que deve ser combatido a todo custo.

É necessário deixar claro que o processo de crescer traz muitas mudanças, que podem ser difíceis de lidar, mas que tudo vai passar e se harmonizar. Devemos reforçar que existem inúmeros tipos de formas físicas e que a preocupação deve ser mais com a saúde do que com a imagem corporal na infância e adolescência.

É preciso sim, através de pesquisas e de todo tipo de ação possível mostrar o que a cultura da magreza faz com nossa autoimagem e exigir que a indústria também faça um esforço para mudar esta cultura.

As adolescentes precisam receber informações sobre todas as mudanças hormonais e físicas que ocorrem durante a puberdade. Precisa ficar claro que estas mudanças ocorrem para todo mundo, que é um processo natural e que no final tudo vai se encaixar dentro de um amplo espectro de corpos e formas.

Deve-se limitar a exposição das crianças e adolescentes as redes sociais e prestar atenção no que eles estão assistindo e quem estão seguindo. Deve-se sim dar outras bonecas que não se parecem com a Barbies e deve-se sempre prestar atenção nos exemplos que damos, mesmo nas conversas mais banais do dia a dia.

A Victoria Secrets ficou famosa por fazer desfiles exibindo seus produtos em modelos com um padrão de beleza real para um número muito reduzido de pessoas, em um mundo com 7 bilhões de indivíduos. Eram as famosas Angels.

A marca nunca evoluiu, nunca se adaptou a tempos novos onde as empresas fingem minimamente que realmente se importam com a diversidade de corpos. O resultado foi que as vendas começaram a cair e eles tiveram que se adaptar.

Hoje, nas propagandas da marca, vemos uma variedade muito grande do corpos e formas, ou seja, se todos nós como sociedade nos indignarmos, se não aceitarmos mais a cultura da magreza, se fizemos pesquisas mostrando como estas práticas são prejudiciais, se não comprarmos mais os produtos e ensinamos as crianças e adolescentes a aceitarem a diversidade de corpo e forma, talvez no futuro vejamos uma princesa Disney baixinha, com as pernas grossas e mais “cheinha”, com a qual muitas meninas vão poder se identificar e se sentir representada.

 

Patrícia Sousa Neres


Especial por
Patrícia Sousa Neres

Nutricionista, aluna do MESTRADO PROFISSIONAL EM NUTRIÇÃO: DO NASCIMENTO À ADOLESCENCIA do Centro Universitário São Camilo, em cumprimento à disciplina ‘COMPORTAMENTO ALIMENTAR E EMOCIONAL: INFANCIA E ADOLESCENCIA com a Profª Marle Alvarenga.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

  1. Oliveira, M. R. D., & Machado, J. S. D. A. (2021). O insustentável peso da autoimagem:(re) apresentações na sociedade do espetáculo. Ciência & Saúde Coletiva26, 2663-2672.
  2. Kuther, T. L., & McDonald, E. (2004). EARLY ADOLESCENTS’EXPERIENCES WITH, AND VIEWS OF, BARBIE. Adolescence39(153).
  3. Mabe, A. G., Forney, K. J., & Keel, P. K. (2014). Do you “like” my photo? Facebook use maintains eating disorder risk. International Journal of Eating Disorders47(5), 516-523.
  4. Robinson, E., & Aveyard, P. (2017). Emaciated mannequins: a study of mannequin body size in high street fashion stores. Journal of Eating Disorders5(1), 1-6.
  5. Sudo, N., & Luz, M. T. (2007). O gordo em pauta: representações do ser gordo em revistas semanais. Ciência & Saúde Coletiva12, 1033-1040.
  6. Levinovitz A. A Mentira do Glúten: E outros mitos sobre o que você come. Porto Alegre: Citadel, 2015.

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