Como aplicar a teoria da dissonância cognitiva na prática clínica do nutricionista?
Sabemos que o nutricionista não é (ou não deveria ser) somente aquele profissional destinado a compreender e aplicar conhecimentos fisiológicos do corpo humano e sua relação com os nutrientes. Ousaria dizer que esse pensamento é de certo modo retrógado e ultrapassado, concorda?
A ciência da nutrição não é uma matemática simples, com fórmulas e resultados precisos. Ela vai muito além, envolve processos dinâmicos e complexos da relação dos indivíduos com os alimentos, seus corpos, suas crenças e ainda, expressões de seus comportamentos.
Por essa complexidade, como profissionais destinados a promover saúde para os pacientes, nós nutricionistas devemos buscar respaldo científico de áreas correlatas em nossas condutas.
Já pensou em estudar princípios da psicologia, antropologia e até mesmo da sociologia? Por que não? Mas, independentemente de qual for, se fizer sentido e ter amparo científico, deve ser utilizado ao nosso favor e em prol da saúde do nosso paciente, como é o caso de uma teoria chamada de dissonância cognitiva.
Uma estratégia para a mudança de comportamento
O nome pode parecer difícil, mas a aplicabilidade da Dissonância Cognitiva é coerente com tudo que estamos buscando para mudanças de comportamentos disfuncionais de nossos pacientes, com os alimentos e seus corpos.
A dissonância cognitiva foi descrita na literatura em 1957 por Leon Festinger¹, no qual considerou que é possível modificar pensamentos e atitudes desde que sejam criadas estratégias que gerem “dissonância”, ou seja, desconforto nas crenças e cognições que os indivíduos possuem¹.
Aproximando com a prática clínica, essa teoria nos diz que as cognições e as crenças dos indivíduos em relação aos seus corpos e o que é “certo ou errado” na alimentação, podem se antagonizar em determinado momento.
Ou seja, os indivíduos que acreditam que comer um brigadeiro é errado e pode causar ganho de peso, quando são confrontados em relação a isso, experimentando desconfortavelmente situações que são criadas (ex: se desafiar a comer um brigadeiro quando sentir vontade ou ser questionado se realmente comer irá o fazer engordar) pode ocasionar mudança de comportamento¹.
O objetivo principal dessa teoria é criticar o que é imposto como o correto e unânime a ser seguido, isto é, “quem disse que comer brigadeiro vai me engordar? ” ou ainda, “por quê todos consideram esse alimento como vilão?”.
Para desenvolver a teoria da dissonância cognitiva como prática clínica, é preciso estudo para compreender o que a literatura científica descreve como metodologia comprovada para aplicabilidade dessa estratégia.
Aplicabilidade da Dissonância Cognitiva no Comer Intuitivo
Depois de conhecermos a teoria por traz da dissonância cognitiva, parece fazer sentido utilizá-la na promoção do comer intuitivo, não é? Em especial por se tratar de confrontar cognições e crenças estabelecidas, como é o caso da adoção de comportamentos alimentares inadequados, como a prática de dietas restritivas, jejuns e uso de métodos compensatórios, para a perda de peso, por exemplo.
Visto isso, um trabalho de pesquisadores brasileiros², visaram avaliar a eficácia de uma intervenção preventiva (“O Corpo em Questão”), na redução de fatores de risco para transtornos alimentares e no aumento da apreciação corporal, comer intuitivo e autoestima em jovens adultas brasileiras, baseando sua metodologia na Dissonância Cognitiva.
De forma breve, essa intervenção reuniu grupos de jovens mulheres universitárias, em diferentes horários e dias da semana, somando quatro encontros, com intervalo entre eles de uma semana, com duração de aproximadamente 60 minutos cada.
Seguindo protocolo de estudos anteriores³,4 foram realizadas discussões acerca dos custos associados a perseguir os ideais corporais, criando estratégias para lidar com a pressão da sociedade em relação a isso. Também foram realizadas atividades semanais, para que os indivíduos pudessem reflitam o que foi discutido e possam lutar contra o ideal de corpo.
Como resultado, houveram reduções significativas para todos os fatores de risco para os transtornos alimentares (insatisfação corporal, comer transtornado, afeto negativo e internalização do ideal de magreza) e aumento da apreciação corporal, autoestima e comer intuitivo.
Evidências científicas mostram que esse tipo de intervenção apresenta grande eficácia principalmente pela ação voluntária ao participar e também pelo número de sessões, com maior número de participantes e destinados a indivíduos com elevado risco de transtornos alimentares5,6,7,8.
Portanto, parece ser frutífero estudar e compreender melhor sobre essa teoria, não é? Esse estudo foi o pioneiro a avaliar o comer intuitivo como desfecho nesse modelo de intervenção baseada em dissonância cognitiva.
Para compreender mais, deixo como dica de leitura, as referências utilizadas para a descrição dessa matéria, em especial, o artigo científico que utilizou a dissonância cognitiva em sua intervenção e que encontrou melhora do comer intuitivo das participantes2.
Falarei mais sobre a Dissonância Cognitiva e o Comer Intuitivo no 8º Congresso de Nutrição Comportamental, dia 29 de abril.
REFERÊNCIAS
1- Festinger, Leon. An introduction to the Theory of Dissonance. In: FESTINGER, L. A theory of cognitive dissonance. Stanford: Stanford University Press, 1957. p. 1-32
2- Resende, Thainá Richelli Oliveira et al. “Dissonance-based eating disorder prevention improves intuitive eating: a randomized controlled trial for Brazilian women with body dissatisfaction. ” Eating and weight disorders: EWD vol. 27,3 (2022): 1099-1112.
3- Hudson, Tassiana Aparecida et al. “Dissonance-based eating disorder prevention among Brazilian young women: A randomized efficacy trial of the Body Project.” Body image vol. 38 (2021): 1-9.
4- Amaral, Ana Carolina Soares, Stice, Eric and Ferreira, Maria Elisa CaputoA controlled trial of a dissonance-based eating disorders prevention program with Brazilian girls. Psicologia: Reflexão e Crítica [online] vol. 32 (2019).
5- Le, Long Khanh-Dao et al. “Prevention of eating disorders: A systematic review and meta-analysis.” Clinical psychology review vol. 53 (2017): 46-58.
6- Stice, Eric, and Heather Shaw. “Eating disorder prevention programs: a meta-analytic review.” Psychological bulletin vol. 130,2 (2004): 206-27.
7- Levine, Michael P. “Prevention of eating disorders: 2019 in review.” Eating disorders vol. 28,1 (2020): 6-20.
Especial por Thainá Resende
Nutricionista pela Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, Doutoranda em Educação Física Saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora.