Guerra, comida e gente: Reflexões sobre sistemas alimentares – Um convite para refletirmos em tempos de grandes crises mundiais.
O grão de arroz: Reflexões sobre relações humanas
Alguns anos atrás estava almoçando com o meu filho e percebi um belo brilho em seu talher, então peguei o garfo para observar de perto. Nesse momento meu filho tomou o objeto de minhas mãos e disse: “É meu”!
Essa situação nos ensina uma série de acontecimentos interessantes sobre nossa percepção de mundo, pois quando nascemos passamos a interagir com o que entendemos ser ambiente externo. Sentimos, ouvimos, cheiramos, vemos e assim podemos criar ideias e concepções sobre as coisas.
Aprendemos nomes, criamos histórias e até mesmo passamos a criar emoções sobre objetos e situações. Inventamos o meu e o seu. Além disso, cada um tem de forma diferente a percepção de si e dos outros, algumas pessoas têm seu limite na própria pele, outras no portão de suas casas ou da janela de seus carros, não se importando com o que está além disso.
É como alguém que joga lixo pela janela do carro sem se lembrar que está em uma rodovia por exemplo, com outros carros e outras pessoas passando pelo mesmo trajeto.
Justamente dessa perspectiva é que surgem guerras, disputas e conflitos, criando inimigos por conta de diferenças simbólicas ou pelas linhas imaginárias territoriais. Porém, com a nossa percepção de mundo aumentada e com empatia, podemos ver com clareza além das diferentes línguas, cores e formas de viver.
É possível ver o sofrimento dos outros e até imaginar que o sofrimento também é nosso. O problema é que insistimos em não perceber o que está além da nossa pele, continuamos a nos perceber diferentes uns dos outros e criar desigualdade. Dessa forma, não basta sentirmos empatia ou percebermos um mundo além dos próprios olhos.
O arrozal: Reflexões sobre sistemas alimentares
Cada uma de nossas ações causam reações, cada uma de nossas escolhas geram consequências. É muito difícil termos essa percepção no dia a dia.
De forma geral, nossa mente percebe apenas as reações imediatas, como por exemplo um copo que cai e se quebra. Mas, quando olhamos para o fluxo da vida, tudo isso se torna um grande emaranhado de ações e reações difíceis de mensurar.
Os sistemas alimentares podem ilustrar esse fluxo e durante a pandemia percebemos muito bem nossa interconexão e interdependência, pois mesmo que colheitas tenham sido bem-sucedidas e que exista uma reserva de alimentos, pequenas interrupções nessa rede de suprimentos alimentares levaram à escassez de alimentos em regiões diversas e distintas.
É aqui que precisamos ir além da empatia e perceber a compaixão, a vontade de agir por alguém. Não simplesmente porque também podemos ser afetados, mas para percebermos um mundo além dos nossos olhos e no qual gostaríamos de viver.
Com a compaixão em nossas escolhas e decisões, podemos direcionar perguntas de reestruturação e reorganização social, como já mencionado, não apenas para não sofrermos, mas para que também os outros não sofram.
Esse é um ponto interessante, e me remete à antropóloga Margaret Mead. Ela foi questionada por um aluno sobre o primeiro vestígio de civilização humana e em sua resposta foi citado um fêmur com 15 mil anos encontrado em uma escavação.
Essa resposta deve ter sido realmente uma surpresa para a turma, talvez uma resposta mais lógica seria uma ferramenta de trabalho relacionada à pesca ou à agricultura.
Margaret observou que o fêmur estava partido, mas cicatrizado. E considerando que essa fratura costuma demorar em torno de 6 meses de recuperação e cicatrização, entende-se que alguém cuidou daquela pessoa.
Por trás de um grão de arroz: Guerra, comida e gente
Mesmo em períodos de guerras e disputas podemos perceber que dependemos uns dos outros e que precisamos uns dos outros.
Um exercício interessante pode acontecer durante as refeições. Quando estiver com um prato de comida posta na mesa em nossa frente, tente observar cada um dos alimentos, cada textura, cada aroma e cada cor.
Em seguida analise as etapas anteriores, pessoas envolvidas e cuidados necessários para que aquele alimento chegasse até você.
Chegar até o gás natural em meio à natureza em um profundo reservatório no subsolo não é nenhum exagero.
Se olharmos para o campo, veremos mais pessoas envolvidas, agricultores, engenheiros, produtores, vendedores, etc., todas essas pessoas envolvidas nessa produção do alimento. Sem contar os animais que são utilizados, como animais de tração ou aqueles que simplesmente estão lá, como minhocas adubando a terra.
Eu, por exemplo, não como carne, mas nem por isso não há sofrimento em meu prato, pois para se abrir um campo de cultivo, florestas são derrubadas e ao longo do plantio, insetos ou outros animais também recebem consequências.
É por isso que podemos dizer que em cada grão de arroz existe um mundo de possibilidades e sentimentos, como sofrimento, esforço e lágrimas.
Alguém que come sem perceber tudo isso perde o contato com os outros e com a vida. Dessa forma, por não ver tudo o que existe por trás de um grão de arroz perde a possibilidade de ser feliz.
Especial por Eduardo Szpak
Nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo, SP; mestre em Ciência dos Alimentos
pela USP e formado em Mindful Eating-Conscious Living™, com Jan Chozen Bays e Char Wilkins.