🌟 Começo já respondendo a frase título “nutricionista pode ser este agente de mudança de comportamento alimentar?”
Sim! E esta colocação já foi feita há muito tempo. O artigo mais antigo que encontrei foi esse da foto e da referência na sequência de 1976 no JADA. E é incrível então que estejamos discutindo a adequação disso quase 50 anos depois!
Esse artigo – que podemos chamar de clássico – foi escrito por um médico e começa colocando os problemas da prescrição. Ele aponta que ao nutricionista dizer “o que se deve e não se deve comer ” e quanto comer espera-se que automaticamente as pessoas sigam as recomendações. Entretanto, na prática isso não acontece.
E o autor já coloca como premissa do artigo que o segmento das recomendações pode ser melhorado se o nutricionista usar ferramentas das ciências comportamentais e atuar como um agente de mudança de comportamento.
E na obesidade: prescrever ou ser agente de mudança de comportamento alimentar?
Para ilustrar os dados ele se refere ao tratamento da obesidade, mencionando o quanto esses pacientes recebem múltiplas informações e recomendações, no entanto, o abandono do tratamento é enorme, bem como a eficácia do mesmo muito baixa. Ele reconhece que há vários fatores envolvidos nessa problemática, mas que uma das questões é que apenas educar as pessoas e oferecer a oportunidade de insight sobre seu problema não garante a mudança de comportamento alimentar.
Mencionando estudos clássicos da década de 60, com terapia comportamental e análise do comportamento (novamente aplicados ao tratamento da obesidade) o autor discute o quanto essas ferramentas fazem a diferença,
Ele afirma que: “administrando esse tipo de tratamento, o terapeuta nutricional deixa de ser simplesmente um dispensário de dieta balanceada e informações nutricionais, e um `produtor gentil de pacientes rebeldes´.
No programa de mudança de comportamento alimentar o terapeuta nutricional ensina seus pacientes como mudar hábitos, como analisar os seus comportamentos alimentares, como avaliar as razões não fisiológicas para comer, como entender os papéis da comida na vida e até como trabalhar com seus pensamentos sobre a comida e sobre comer.”
Minha história como nutricionista agente de mudança de comportamento alimentar
Aqueles que já assistiram algumas aulas minhas, ou palestras para os “bichos ou bichetes” que adentraram na universidade, me ouviram contar que eu nunca quis ser nutricionista!
Meu sonho enquanto adolescente era ser oceanógrafa! Mas eu não fiz cursinho, oceanografia não existia como graduação em São Paulo, eu só prestei universidades públicas, e entrei na faculdade com 17 anos. Obviamente eu não sabia muito sobre que eu queria fazer do resto da minha vida…
A Nutrição só fez sentido pra mim como carreira quando comecei atender pacientes com transtornos alimentares, ainda recém formada, por ter conhecido a equipe do AMBULIM.
E sempre tenho que agradecer a sorte de ter acontecido, e de ter sido tão bem orientada e supervisionada por colegas psiquiatras e psicólogos, que me disseram, desde o princípio quando eu levava as minhas angústias e dúvidas às reuniões de supervisão: “você nunca vai conversar só sobre comida com os pacientes”.
Nem todos tem o mesmo histórico e vivência, e acabamos ainda tendo uma formação muito engessada em questões técnicas da nutrição.
Precisamos aprender todas elas, mas não somos apertadores de parafuso! Não somos só técnicos de um tema, e esta visão antiga de profissões e funções da era industrial precisa ser revista.
(sugiro 2 episódios de NARUHODO sensacionais sobre isto, com link nas referências!).
Mas e os cálculos que aprendemos e os programas para calcular?
Temos hoje um em número enorme de softwares que calcula as necessidades nutricionais dos pacientes, e até propõe dietas fechadas com quantidades – obviamente não é preciso fazer todo uma graduação para usar isto – qualquer um que souber “operar o software” pode fazer!.
Já repetimos também algumas vezes (inclusive no Congresso de 2019) porque as profissões que vão se manter no futuro são aquelas que mantém o ASPECTO HUMANO. Ou seja, aquelas que não podem ser trocadas por uma máquina.
👉Obviamente da mesma forma que aqueles que desejam trabalhar em “nichos específicos” da nutrição precisam de informação complementar, das especializações reconhecidas pela ASBRAN, e desenvolver mais habilidades e competências … se queremos ser agentes de mudança de comportamento precisamos estudar mais o comportamento – com suas bases epistemológicas e psicológicas.
Precisamos entender a relação dos comportamentos com seus antecedentes e consequentes, e precisamos aprender a trabalhar com estratégias de mudança de comportamento.
Este é nosso compromisso como Instituto Nutrição Comportamental: ampliar as possibilidades de atuação do nutricionista, ao ensinar novos modelos, teorias e ferramentas.
Um pouco mais de ciência para posicionar o nutricionista como agente de mudança de comportamento:
⚠️O autor que referi neste texto já antecipou também nesta publicação a questão: “mas nutricionistas sem treinamento em ciências comportamentais que seriam capazes de conduzir um programa nestes termos?”
Para responder, ele conduziu um experimento comparando o tratamento oferecido por nutricionistas TREINADOS EM análise do comportamento e por residentes em psiquiatria, e encontrou resultados muito similares.
Para aqueles que ainda questionam ou tem dúvidas sobre esse tipo de atuação, o autor também publicou na conclusão desse trabalho (em 1978!): que é ao revisar publicações na área de transtornos alimentares e programas clínicos que foram desenvolvidos a partir destas pesquisas,”fica claro que o nutricionista não é simplesmente um professor de nutrição, o seu novo papel é ser um agente de mudança de comportamento, e vai muito além de oferecer uma dieta balanceada. Ele deve olhar para o contexto da alimentação, e ajudar os seus pacientes a trabalhar para modificar este contexto”.
Abracem essa meta conosco, não sejamos apenas apertadores parafuso!
Autor:
Dra. Marle Alvarenga, PhD.
Idealizadora do Instituto Nutrição Comportamental.
Referências:
Ferguson, J. (1978). Dietitians as behavior–change agents. Journal of the American Dietetic Association, 73(3), 231-238.