Um debate fervoroso entre psicólogos e nutricionistas tem como pauta a pergunta: “quem pode trabalhar comportamento?”
Para começar esta reflexão deixo a pergunta:
Quantas vezes ouvimos de nossos pais um “comporte-se!”?
Será que sabemos o que eles queriam dizer?
O que nunca nos contaram sobre o comportamento humano é que é um troço pra lá de complicado, tão cheio de nuances que deixa a cabeça de qualquer profissional da saúde bagunçada: “Dá pra estudar isso?” “É meu papel? e “Quem pode trabalhar com o comportamento?”. Apesar de difícil, vale à pena sim – e muito! – nos fazermos tais perguntas. Quanto às respostas, vou usar do meu know how de psicóloga para iluminar possíveis caminhos a vocês.
O trabalho com o comportamento e sua ciência
O ser humano é curioso, sempre se perguntando sobre o funcionamento do mundo e do seu próprio. Foi assim que nasceu a filosofia e por fim, as ciências, como a psicologia. Conhecida como a ciência da mente ou a ciência do comportamento, a psicologia pegou emprestado seu objeto de estudo da filosofia. Opa, então não foram os psicólogos quem inventaram isso de estudar o comportamento? Não, né gente? A tríade Sócrates – Platão – Aristóteles já se preocupava com isso há bem mais tempo.
📍 Sou cientista do comportamento há 19 anos. Dentre os autores que me ensinaram o que sei, se encontram biólogos – etólogos e primatólogos – cientistas sociais, antropólogos, nutricionistas, neurocientistas, educadores físicos e médicos -psiquiatras, endocrinologistas, pediatras, neurologistas. Não, não foram só psicólogos. Aliás, os primeiros autores da psicologia científica não fizeram faculdade de psicologia – isso nem existia. Freud era médico; Pavlov, fisiologista, Skinner, graduado em letras – somente sua pós graduação foi em psicologia. Wundt, médico, foi o “psicólogo” que fez a palavra “psicologia” ser estampada pela primeira vez em uma placa universitária.
⚠️Tudo isso pra dizer que faz todo o sentido termos dúvidas sobre qual o profissional que trabalha com comportamento. Afinal, se não sabemos nem o que é esse tal de comportamento, como delimitar os profissionais para atuar sobre ele? Se pensarmos em comportamento como algo que é alterado por meio da aprendizagem, acredito que alguns exemplos podem nos ser úteis:
– o médico, em seu trabalho clínico, atua de maneira a reduzir comportamentos considerados não saudáveis para seus pacientes, além de por vezes, prescrever medicações, ensinando a forma certa de administra-las.
– a professora pré escolar tem o claro objetivo de ensinar as crianças a se relacionarem bem em grupo, nomear cores, cantar canções e se aproximar de um contexto educacional que as estará aguardando pelos próximos anos de suas vidas.
– o treinador de natação (educador físico) passa a acompanhar um campeão com o objetivo de tornar seu tempo de chegada ainda mais curto.
– o padre ou pastor de uma igreja dedica seu tempo a pregar aos fiéis o que considera a maneira cristã de viver sua vida.
Fica claro, portanto, que são várias as profissões cujo objetivo máximo é ensinar novos comportamentos – ou refinar os já existentes – para uma parcela da população. Então, quem pode trabalhar com comportamento?
Quem pode trabalhar com o comportamento
Ora, qualquer profissional que ensine outra pessoa a fazer coisas novas, de acordo com Skinner (1953), pode ser delimitado como um agente de mudança comportamental – ou agente controlador (veja adiante). Isso incluiria também o caso do treinador de natação, que torna um repertório comportamental básico já existente em algo ainda mais elaborado.
Skinner definiu o termo agências controladoras como sendo grupos sociais com objetivo de realizar mudanças comportamentais. Para alcançar tal intento, as agências controladoras se organizam. Nesse sentido, a igreja, o estado e a psicoterapia são contextos nos quais atuam agentes controladores, assim como a academia de natação, a pré escola e (por que não?) o consultório de um terapeuta nutricional.
Por fim, fica um convite pra lá de especial pros nossos leitores: juntem-se a nós, cientistas do comportamento. Não somos uma seita, nem uma organização não governamental, e sim um grupo de cientistas interessados nos fenômenos humanos e sociais. Bem, ao menos é como eu gostaria de ver sendo construída nos meios acadêmicos – e praticada nos contextos clínicos – a ciência do comportamento: plural, interdisciplinar, voltada para a efetividade de suas ações – realizadas com transparência por profissionais eticamente comprometidos. Portanto, cabe todo e absolutamente qualquer profissional que se interesse em somar. Venha ser um mais com a gente.
Autor:
Liane Dahás – Psicóloga, mestra e Doutora e Mestra Teoria e Pesquisa do Comportamento pela UFPA e especialista em Psicologia Clínica Analítico comportamental. Pós doutorada pelo Instituto de Psicologia da USP. Formada em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute. Coordenadora, supervisora clínica e professora da Qualificação Avançada em Terapia Analítico Comportamento, e Coordenadora do DBT-Lab no Paradigma: Centro de Ciências e Tecnologia do Comportament
Referência:
Skinner, B.F. (1953) Science and human behavior. New York: Free Press.