Pensando na Psicologia e na Nutrição como ciências, como de fato são, é possível, por meio dos seus simples conceitos ou objetos de estudo, identificar atributos pertencentes a cada uma delas que mostram uma complementaridade. A Psicologia estuda, além de outros aspectos, as motivações por trás do comportamento humano e a Nutrição, falando mais tradicionalmente, estuda a relação entre o que se come e a saúde. A aproximação se encontra no fato de que o próprio ato de se alimentar é determinado por uma escolha alimentar, que por sua vez é um comportamento. Partindo apenas dessa simples reflexão, conseguimos visualizar que existe um “caminhar em comum” entre essas duas ciências capaz de nos levar a compreender que a nutrição vai muito além do quantificar o consumo e orientar com base no conhecimento dessa quantificação. Entretanto, essa percepção por parte de cada profissional vai depender do seu contato prévio com o tema, por isso é importante falarmos sobre ele.

Alimentar-se é um ato que percorre a vida de todos diariamente, além de atender às necessidades fisiológicas, a alimentação também carrega um papel social. Sabemos que no organismo, o cérebro é capaz de processar memórias de curto prazo e convertê-las em memórias de longo prazo – pois agora imaginem quantas memórias são construídas e guardadas em torno da nossa alimentação ao longo do tempo? Inúmeras; e todas diferentes e específicas para cada pessoa. O hábito alimentar vai sendo formado considerando as preferências inatas, exposições alimentares e características do meio social em que cada um foi e está inserido. A relação que se constrói com o alimento será sempre individual e dessa forma, uma determinada escolha alimentar pode ser decorrente da relação afetiva, construída a partir das experiências anteriores.
Nessa perspectiva, com a evolução da ciência da psicologia, nos é lançada a necessidade de ampliarmos as nossas lentes para que o foco sobre o estudo da nutrição passe a considerar o corpo e mente como uma só e a mesma coisa. Esse entendimento reforça, principalmente aos nutricionistas, a importância de se considerar aspectos culturais, emocionais, sociais, o prazer e todos os outros sentimentos ligados ao ato de se alimentar, tanto em relação aos momentos que antecedem uma escolha alimentar, como também o despertar de “sensações” após nos alimentarmos.

Pensemos na mudança de comportamento alimentar da população em relação ao aumento do consumo de frutas e vegetais, que até aumentou segundo as pesquisas, por outro lado, vemos que não está havendo redução da obesidade. Qual o ponto ainda não observado pode estar por trás desse dado? Muito se investiga sobre “o que se come” e obesidade, mas e o “por que se come”? As estratégias não estão sendo eficazes, efetivas ou não estão atuando no ponto que tem que se intervir? Considerando a complexidade da obesidade, a investigação dessa relação deve ir além do biológico.

As informações sobre alimentação são variadas, mas muitas limitam-se a “é saudável”, “pode comer”, “não pode comer”, o que pode levar as pessoas a terem intenção de fazer ou “saber” o que precisam fazer – e o resultado final é não colocar em prática. Por que não pensar que esse discurso baseado apenas em restrições alimentares ou cheio de proibições pode significar o contrário de atribuir saúde? Essa tentativa de controle, vinda de palavras de restrição, não necessariamente vai implicar no comportamento que você deseja, pois ainda existem muitas barreiras existentes entre a intenção e o comportamento alimentar das pessoas – que precisam ser melhor compreendidas pelos nutricionistas. Além disso, se falamos em saúde, é antagônico o fato de querermos trabalhar apenas com orientações restritivas quando estudos mostram que, por exemplo, a restrição ou privação na alimentação durante a infância pode levar ao desenvolvimento de transtornos alimentares na vida adulta.

Ao pensarmos, mesmo rapidamente aqui sobre o foco da psicologia somos alertados a respeito da nossa responsabilidade como profissionais ao atrelarmos o resultado “ter saúde” a condutas como essas. É claro que essas informações também podem ser acessadas em diversas fontes, mas no mínimo não deveriam partir de um profissional de nutrição. A questão em discussão não é sobre “Então, nada está errado” ou “Então, pode tudo”, mas é sobre dedicar uma maior atenção ao que é relatado pelo paciente, entender o contexto dos seus hábitos alimentares e identificar as suas motivações por trás das suas escolhas alimentares, para assim decidir a melhor conduta, abordagem mais adequada. Tratando-se de tentar entender o comportamento alimentar, tudo se torna mais complexo, considerando que o que é recomendado para o todo, muitas vezes não vai funcionar individualmente, pois os reforçadores são diferentes para cada pessoa.

Dessa forma, esse estreitamento entre a Psicologia e a Nutrição é fundamental para possibilitar aos nutricionistas munirem-se de ferramentas que ajudem a entender a relação das pessoas com a comida e dessa com a saúde, em diferentes ângulos. Mesmo diante da complexidade que é entender o comportamento alimentar, a Psicologia dispõe de teorias, conceitos e técnicas que podem auxiliar na tradução e leitura adequadas das informações que nos são reveladas pelos pacientes e nos aproximar das mudanças no comportamento alimentar julgadas como necessárias. Os pontos aqui discutidos, que mostram o quanto essas duas áreas estão relacionadas, são essenciais para que a nutrição não fique limitada apenas ao discurso sobre o que e o quanto se deve ou não comer e ir além, compreendendo os motivos que levam as pessoas a comerem o que elas comem.

Especial por Amália Almeida Bastos – Doutoranda em Nutrição em Saúde Pública na FSP-USP; baseado na disciplina HNT 5775-1 Comportamento alimentar – implicações para o cenário atual da alimentação da pós graduação em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP ministrada por Marle Alvarenga

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